O dólar à vista encerrou o pregão desta quarta-feira, 29, em queda firme, na casa de R$ 5,19, descolado do movimento global de fortalecimento da moeda norte-americana, em dia de aversão ao risco no exterior. Analistas atribuíram a apreciação do real a fluxo positivo de recursos, sobretudo no segmento comercial, e a movimentos técnicos no mercado futuro, na véspera da formação da última Ptax de junho e da rolagem de posições. Do lado fiscal, não houve novidades relevantes no pacote de benesses sociais contido na PEC dos combustíveis, cujo impacto fiscal é estimado em R$ 38,7 bilhões fora do teto de gastos. Essa cifra, contudo, veio abaixo da estimativas mais altas, o que pode ter contribuído para desinflar apostas em depreciação mais aguda do real no curto prazo.
Em baixa desde a abertura dos negócios, o dólar acentuou o ritmo de queda ao longo da tarde e registrou sucessivas mínimas nas duas últimas horas da sessão, até tocar R$ 5,1895 já perto do fechamento. No fim do dia, a moeda recuava 1,39%, a R$ 5,1930 – menor cotação desde o último dia 22 (R$ 5,1771). Com isso, o dólar passa a acumular queda de 1,14% nesta semana. Os ganhos em junho, que até a terça superavam 10%, agora são de 9,27%.
O head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, observa que o dólar subia nos últimos dias apesar de fluxo positivo no segmento spot em razão da forte pressão compradora no mercado futuro, seja para zeragem de posições vendidas, seja para hedge (proteção). "O dólar casado (que abrange a diferença entre spot e à vista) estava bastante pressionado. Isso mostra que a demanda está no mercado futuro, e não no mercado à vista", diz Weigt. "Carregar posição comprada em dólar custa muito caro com os juros altos. No curto prazo, se o fluxo continuar positivo, é difícil ver o dólar subindo muito".
Na quinta-feira, é formada a última Ptax de junho, que serve de parâmetro para confecção de balanços corporativos em fim de trimestre e liquidação de derivativos. Haverá a rolagem de posições em contratos futuros, com os investidores migrando para o vencimento de agosto. Esse contexto faz com que o movimento destoante do dólar no mercado à vista reflita ajustes, rearranjo de posições e operações para realização de lucros.
Como já esperado, o parecer da PEC dos Combustíveis trouxe aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, com meta de zeragem da fila de espera. O vale-gás permaneceu bimestral, com subsídio de um botijão. O voucher para caminhoneiros será mesmo no valor de R$ 1 mil mensais. A PEC vai reconhecer estado de emergência no País, abrindo espaço legal para que o governo aumente os gastos sociais perto da eleições. A justificativa é a elevação "extraordinária e imprevisível" dos preços do petróleo e dos combustíveis e seus impactos sociais.
A economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, vê certo alívio no mercado local de câmbio com o fato de custo estimado com a PEC dos Combustíveis ter ficado abaixo do esperado. "O mercado se animou um pouco com isso. Mas o desconforto com o quadro fiscal continua. Esse alívio deve ser momentâneo", diz Quartaroli, acrescentando que há também relatos de entrada de fluxo comercial, após a China ter relaxado medidas de restrição contra a Covid-19.
Economista para o Brasil do Barclays, Roberto Secemski observa que as medidas terão impacto limitado sobre o resultado primário no curto prazo, mas minam a credibilidade fiscal. "Esta provavelmente se tornará a segunda emenda à única âncora fiscal do Brasil desde dezembro (quando a PEC dos Precatórios artificialmente aumentou o teto em R$ 115 bi) e a terceira desde março de 2021 (quando a PEC Emergencial autorizou um gasto adicional de R$ 44 bi)", afirma Secemski, em relatório.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente – operou em alta ao longo de todo o pregão, ao redor dos 105 mil pontos, sobretudo em razão dos ganhos ante ao euro. A moeda americana também ganhava força em relação à maioria de divisas emergentes e de países exportadores de commodities.
Crescem os temores de recessão nos EUA conjugada com inflação ainda em níveis elevados, a chamada estagflação. A terceira leitura do PIB americano no terceiro trimestre foi de -1,6% (taxa anualizada), queda acima de leituras anteriores e da expectativa de analistas (-1,5%).
O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, falou novamente duro contra a inflação e alertou que o processo de aperto monetário provavelmente envolverá "alguma dor econômica". Powell disse também que os mercados preveem uma trajetória para a taxa de juros semelhante à projetada por dirigentes do BC americano, com pico de cerca de 4%. É grande a expectativa pela divulgação na quinta do índice de preços de gastos com consumo (PCE), medida de inflação preferida pelo Fed. Saem também dados dos gastos com consumo e renda pessoal.