Aos 44 anos, Anderson Gonzalez está desempregado pela primeira vez. No começo de maio, foi demitido do restaurante onde trabalhava como chef e gerente de cozinha há oito anos. Saiu numa segunda onda de demissões. "Estávamos operando com sistema de delivery, o que manteve o estabelecimento aberto, mas com faturamento muito baixo. O dono disse que iria me mandar embora enquanto tinha dinheiro para pagar o que me devia", diz ele, que está em casa e acredita que procurar emprego, por agora, vai ser uma perda de tempo. "Enquanto essa crise não passar, eu não acho que vai adiantar tentar uma recolocação."
Os dados de desemprego divulgados na quarta-feira, 27, pelo governo mostram que a maior perda de vagas com carteira assinada após a chegada da covid-19 está nos setores de comércio e serviços. E, dentro destes, certamente o de bares e restaurantes é um dos mais atingidos. Embora os dados oficiais, pelo menos por enquanto, não mostrem isso, uma pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurante (Abrasel) indica que 1 milhão de trabalhadores formais do setor ficaram sem emprego de março até a primeira quinzena de maio.
Segundo Paulo Solmucci, que preside a instituição, esse número corresponde a 30% dos 3 milhões de empregados diretos nos estabelecimentos pelo País: "A MP que reduziu jornadas e salários ajudou a segurar a quebradeira. Mas os empresários não conseguiram dinheiro nos bancos, não conseguiram crédito. Nossos levantamentos indicam que 80% dos empresários buscaram crédito nos bancos. Mas, destes, 81% tiveram o empréstimo negado."
Os impactos, evidentemente, não param aí. Viviane Seda, coordenadora de Sondagens do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), avalia que o aumento das demissões vai ser inevitável, apesar das medidas de redução de jornadas e salários. "No segmentos de bares e restaurantes, por exemplo, há uma limitação no número de pessoas necessárias enquanto os estabelecimentos só puderem fazer delivery. Naturalmente, vai haver redução na mão de obra."
Pesquisa feita pelo Ibre apontou outros setores fortemente afetados pelo coronavírus, com grande número de demissões até a metade de maio. Entre eles, estão a indústria calçadista e as construtoras de edifícios comerciais.
<b>Calçados</b>
Os calçadistas, por exemplo, demitiram 34,1 mil pessoas desde o fim de março, por conta da pandemia, de acordo com a associação das empresas do setor, a Abicalçados. Segundo levantamento, 70% das fabricantes em todo o País já demitiram em algum momento desde o início da quarentena.
Os fabricantes já perderam 13% dos postos de trabalho que tinham até o fim de 2019. Para este ano, a estimativa é de perda de 57 mil postos, se a crise mantiver o ritmo atual. "A previsão é de queda de até 30% na produção de calçados. Isso quer dizer que mais de 260 milhões de calçados não serão produzidos no País este ano. Voltaremos ao patamar de 16 anos atrás", diz o presidente executivo da entidade, Haroldo Ferreira.
Ferreira também aponta que as medidas de crédito para as empresas anunciadas pelo governo não estão chegando na ponta, o que dificulta a situação dos empreendimentos. "Os bancos fazem muitas exigências quanto a garantias, a aversão a risco para garantir os empréstimos. Estaríamos demitindo menos, se esse crédito estivesse chegando."
No caso da construção civil, segundo os dados do Caged, o cadastro geral de empregados e desempregados, foram 66 mil vagas fechadas só em abril. "Como muitos outros países do mundo, entendemos que o Brasil também adotará políticas de estímulo ao emprego e ao aquecimento da economia via investimento. Neste caso, com a construção civil sendo metade do investimento, certamente deverá ter tratamento diferenciado", avalia o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins.
Viviane Seda, da FGV, lembra que é preciso levar em conta que os diferentes segmentos da economia não vão se recuperar ao mesmo tempo. Segundo levantamento do Ibre, em alguns segmentos de bens de maior valor e que são mais fortemente afetados pela queda na renda, como as atividades imobiliárias e o de vendas de móveis e eletrodomésticos, a expectativa da maioria das empresas é que as atividades só voltem ao normal a partir de 2021.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>