Imigrantes brasileiros com um novo perfil estão desembarcando na Flórida: são empreendedores que buscam “dolarizar” os investimentos e que, em muitos casos, estão desistindo de seus negócios no Brasil para gerar emprego e renda nos Estados Unidos e receber na moeda do Tio Sam. Parte desse contingente é formado por pessoas que antes viam Miami e Orlando somente como grandes outlets para gastar o dinheiro que ganhavam por aqui.
Há números que evidenciam o poder econômico de parte dos brasileiros que estão migrando agora para a Flórida. Segundo especialistas em imigração consultados pelo Estado, a obtenção de um visto de negócios temporário exige o investimento pelo menos US$ 70 mil em uma nova empresa que gere postos de trabalho em solo americano. Para garantir a permanência definitiva, uma aplicação de pelo menos US$ 500 mil em atividade produtiva é necessária. Não é dinheiro que um cidadão comum costume ter disponível, mas não chega a ser um montante absurdo para os brasileiros que, nos últimos anos, compraram casas de veraneio na região.
Dados da Associação dos Corretores de Imóveis dos Estados Unidos mostram que dinheiro não é problema para os brasileiros que compraram casas nos arredores de Orlando e Miami. O preço médio das residências compradas por brasileiros na Flórida é de US$ 587 mil – entre os estrangeiros, só os chineses compram imóveis mais caros.
Os números mostram ainda que cerca de 23 mil casas foram vendidas a cidadãos do Brasil desde 2008 na Flórida (leia quadro acima). De todos os imóveis vendidos a estrangeiros nos 12 meses encerrados em junho último, 9% ficaram em mãos brasileiras. Em alguns condomínios, como o Champions Gate, em Orlando, os brasileiros chegam a representar 60% do total de moradores. Segundo a Elite International, imobiliária voltada ao público brasileiro fundada há 25 anos em Miami, mais da metade das negociações são feitas à vista.
Uma parte desse público que comprou imóveis em Miami durante o período de “vacas gordas” e de dólar baixo que o Brasil viveu entre 2010 e 2013 agora considera transformar a antiga casa de férias em residência definitiva. Esses membros da classe A que estão deixando o Brasil para trás citam como motivos a crise econômica, a corrupção e, principalmente, a segurança pública.
Em Miami, no escritório da Elite International, o Estado encontrou um empresário capixaba que havia trazido a família para Miami, mas continuava a trabalhar em Vitória (ele não quis se identificar). “Aqui, minha família fica tranquila. O americano não tem nada contra quem ganha dinheiro honestamente. O cara pode andar de Lamborghini e ninguém vai achar que ele é bandido.” O empresário contou que decidiu transferir a família para os Estados Unidos seguindo o exemplo do irmão, que já havia tomado a mesma decisão.
O arquiteto Luiz Mori dos Santos, de 51 anos, conhecido por projetos de decoração de interiores para a classe alta de Curitiba, está na “ponte aérea” entre os Estados Unidos e Brasil há dois anos e meio. Embora afirme ter conseguido um visto definitivo por “habilidade extraordinária” – quando um profissional é acolhido em um país pelo seu talento -, Santos ainda não tem uma carteira relevante de clientes em solo americano. Por enquanto, o arquiteto ganha dinheiro em Curitiba e gasta na Flórida. Apesar de criar projetos à distância, viaja com frequência ao Brasil para acompanhar obras e manter o relacionamento com a clientela. “Passo dois meses direto em Miami e fico três semanas em Curitiba.”
Sem olhar para trás
Enquanto o arquiteto curitibano manteve um pé no Brasil, o empresário Osvaldo Macedo Neto, 41 anos, e sua esposa Luciana, de 43, decidiram vender tudo o que tinham para apostar suas fichas no projeto de construir um edifício de luxo não muito longe de um dos maiores símbolos do comércio de luxo de Miami, o shopping Bal Harbour, onde encontraram a reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”. No início deste ano, o casal e os filhos Rafael e Gabriel – de 12 e 9 anos – trocaram a praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, por Boca Raton, no condado de Palm Beach.
A adaptação à cultura americana foi rápida, segundo Luciana. “A escola na Flórida é pública e toda a comunidade se esforça para torná-la melhor. Aqui, ensina-se as crianças a ir à luta desde cedo. São os alunos que limpam o refeitório na hora do almoço”, diz. A abertura da empresa para a construção do residencial idealizado por Osvaldo – um edifício “butique” de sete andares, voltado principalmente ao público brasileiro com muito dinheiro para gastar – também foi facilitada. Toda a papelada foi resolvida em 48 horas.
Ao migrar para os Estados Unidos, Osvaldo atraiu um de seus sócios, Daniel Jevaux, de 31 anos, para a empreitada – eles repassaram os projetos em Florianópolis para um terceiro cotista da empresa, batizada nos dois países de Tross. Daniel conta que ele e a noiva tinham o entendimento de não terem filhos quando moravam em Florianópolis. Agora, diante da qualidade de vida e da facilidade para fazer negócios em Miami, ele diz estar disposto a mudar de ideia.
Identidade
A “fuga” do Brasil em um momento de crise com um discurso relacionado aos problemas sociais e econômicos abre a discussão para a questão da identidade, segundo o sociólogo Ricardo Costa de Oliveira, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Trata-se de um perfil nômade, sem muita identificação cultural”, diz o professor. “Diante disso, acho que o discurso de não volto mais pode mudar ao sabor dos ventos da economia.” A tendência do migrante em exaltar as qualidades do novo destino também deve ser relativizada. “É tudo uma questão de referência cultural”, avalia Oliveira. “Para muita gente, a Flórida pode ser sinônimo de brega, kitsch.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.