Isabela Figueiredo gosta de pensar que poderia ter sido brasileira. Quando seu pai decidiu deixar Portugal em busca de trabalho e de uma vida melhor, queria mesmo era ter vindo para cá. O visto foi negado e ele acabou em Moçambique, como tantos outros conterrâneos que partiram para as colônias portuguesas na África. Isabela nasceu em Lourenço Marques, hoje Maputo, em 1963. Viveu ali até os 13 anos, quando, depois da independência, foi mandada sozinha para Portugal, para viver com familiares desconhecidos, enquanto os pais tentavam a sorte, e se arriscavam, por mais um tempo.
A infância na África a marcou de tal maneira que virou matéria-prima de sua literatura – uma literatura corajosa e criticada por muitos retornados como ela, que a acusam de trair seu pai e seu país. Na verdade, ela traiu o pacto de nada dizer sobre o que acontecia no outro continente – mas só se permitiu isso depois da morte do pai.
Apresentada ao leitor brasileiro por seu romance A Gorda, publicado recentemente pela Todavia, ela lança agora justamente o Caderno de Memórias Coloniais, lançado originalmente em 2009. Um livro sobre seu pai, sobre como ele se relacionava com os negros e sobre a desigualdade que ela, criança, percebia e não compreendia.
Isabela Figueiredo, uma das atrações da Festa Literária Internacional de Paraty deste sábado, 28, falou ao jornal O Estado de S. Paulo sobre essas lembranças e sobre como elas permeiam a sua obra – que é, e sempre será, ela diz, dedicada a esses anos fundadores. Uma obra sobre o que viu e sentiu essa garota que cresceu no meio de adultos europeus num país africano, que abriu a porta de casa e ouviu um garotinho da sua idade pedir emprego, que calou suas dúvidas e angústias por muito tempo e que encontrou na escrita uma forma de apaziguar sua revolta – e de falar dos absurdos cometidos na colonização.
“Eu tinha uma urgência muito grande dentro de mim, desde que eu saí de Moçambique, de contar essas histórias. Meu primeiro livro já fala da África, mas é uma história ficcional porque meu pai era vivo – e eu não podia escrever Caderno de Memórias Coloniais, sobre ele, um colonialista, com ele aqui. Não queria magoar o meu pai. Eu amava o meu pai. Sua morte me liberta para escrever daquela maneira agressiva e violenta, sobre ele”, conta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.