Marianna entrou num hospital público de Atenas há poucos meses para acompanhar sua tia em uma cirurgia de quadril. Ao chegar, foi logo informada que teria de trazer de casa a roupa de cama, travesseiro e até remédios. Se não bastasse, ela teve de pagar € 20 por semana para alugar uma cadeira do próprio hospital para poder ficar ao lado da tia, num quarto pequeno amontoado com outras seis mulheres. “Assim que a operação acabou, o hospital nos pediu para deixar o local, já que precisavam da cama”, conta a grega de 39 anos.
Em 2015, a reportagem do Estado encontrou Marianna (ela prefere não ver publicado seu sobrenome) percorrendo caixas eletrônicos de Atenas em busca de dinheiro. A liquidez estava por um fio no país. Naquele dia, ela tentou em 15 máquinas e só conseguiu sacar € 70.
Três anos depois, ela diz considerar uma “ofensa” o tom adotado pelo governo para anunciar, no dia 19 de agosto, o encerramento oficial dos planos de resgate da União Europeia e do FMI para a Grécia. Na prática, isso colocou um ponto final à dependência de mais de € 320 bilhões. O dinheiro foi usado para salvar a Grécia da falência, depois que a crise internacional que começou em 2008 se espalhou pelo mundo e secou o mercado financeiro.
Para o governo local, o fim do resgate significa a abertura de um caminho para uma nova era de independência financeira. As autoridades também apontam que a economia dá sinais de crescimento e a crise da dívida, que por pouco não enterrou o euro, foi declarada como superada. “Falar do fim da crise é uma grande piada”, diz Marianna.
A experiência vivida pela moradora de Atenas e sua tia reflete a redução dos investimentos públicos em saúde no país. Um estudo publicado na revista médica The Lancet mostra que, entre 2009 e 2014, os gastos caíram de US$ 2,2 mil por pessoa por ano para apenas US$ 1,5 mil. Ao mesmo tempo, a mortalidade aumentou. No início do século, eram 944 mortes para cada cem mil pessoas. Em 2016, 1174. Nesse período, a taxa global recuou de 842 para 739. Recém nascidos passaram a morrer de doenças que poderiam ser tratadas. “A austeridade matou muita gente na Grécia”, diz o médico Giorgos Vichas, que criou uma clínica comunitária em Helliniko.
Para membros do governo, nem tudo é desastroso e avanços também foram registrados. O país passou de um déficit fiscal de 15% do PIB para um superávit de 0,8% do PIB. Uma agência independente de coleta de impostos foi criada, o Estado ficou mais enxuto, o sistema de pensão passou por reformas e uma mudança nas leis trabalhistas ajudou empresas a serem mais competitivas para poder exportar.
Em 2017, a economia cresceu em 1,4% e deve voltar a ter índices positivos em 2018. Mas o grande desafio agora é pagar os credores e suas condições ainda são impostas. Para terminar de pagar sua dívida, a Grécia precisa manter um superávit em suas contas até 2022 de 3,5%. A partir de então e até o ano de 2060, o superávit terá de ser em média de 2,2%.
O problema, porém, é a dimensão do custo social. No total, a Grécia viu seu PIB encolher em 27%. Em junho, temendo perder 10 mil postos de trabalho, os catadores de lixo de Atenas entraram em greve. O resultado foi um acúmulo de toneladas de lixo pelas ruas da capital, que vivia uma onda de calor. Em maio, uma greve geral de 24 horas, paralisou escolas, transporte público e hospitais.
O ambicioso plano de privatização jamais deu os resultados esperados. Em 2011, previa-se que, ao vender 71 mil ativos do estado, o país poderia arrecadar ¤ 50 bilhões. Metade iria para pagar a dívida. Sete anos depois, o plano apenas arrecadou ¤ 6 bilhões. Para 2019, o governo promete vender mais ¤ 3 bilhões, com a privatização do aeroporto de Atenas, de uma empresa de gás e de uma refinaria.
O fim do resgate é apenas parte de uma história que acumulou aumento de impostos, cortes de gastos e uma depressão econômica. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o resultado foi a explosão no número de pobres, que hoje representam 30% dos 10 milhões de gregos.
“A crise não acabou”, disse ao Estado o ex-ministro de Finanças da Grécia, Gikas Hardouvelis. “Para muita gente, não fez qualquer diferença o fim do memorando (do resgate). A vida de todos foi afetada, seja pela renda, habilidade de sobreviver, ter emprego. A crise está presente e os desafios para o futuro são enormes”, alertou.
500 mil gregos deixam país
Em oito anos, a crise empurrou 500 mil gregos para fora do país, ajudando a reduzir a taxa de desemprego entre jovens, que chegou a 58%. Hoje, ela é de 40%. A informalidade atinge ainda 20,8% do PIB grego, segundo levantamento da Universidade de Tübingen, na Alemanha.
“O sentimento no país é de que não há futuro. O pessimismo chegou para ficar”, disse o ex-ministro de Finanças da Grécia (2014-2015), Gikas Hardouvelis.
Na sua avaliação, o governo de Alexis Tsipras não usou os três anos desde o último pacote para gerar uma economia competitiva, mesmo com o dinheiro barato que recebeu da União Europeia. Para o economista americano, James Galbraith, a austeridade “não funcionou”. Ele serviu como assistente informal para o Ministério de Finanças da Grécia em 2015 e, um ano depois, publicou o livro “Bem-vindo ao cálice envenenado: A Destruição da Grécia e o Futuro da Europa”.
“Não vamos nos enganar. A austeridade não foi desenhada para funcionar”, diz. “Wolfgang Schäuble (ex-ministro de Finanças da Alemanha) deixou claro em reuniões com os gregos que, se fosse ele, não teria assinado o plano de resgate.” Em sua avaliação, o que ocorreu na Grécia foi “um ato de crueldade para fins políticos”, para os alemães mostrarem o que poderiam fazer com outros países, como a Itália. “Ter um compromisso de superávit até 2060 é basicamente dizer que essa é a condição que será vigente para sempre e, para os jovens, trata-se de um convite para continuar emigrando.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.