Variedades

Na Quebrada conta histórias de jovens de comunidades

Jorge Dias, um dos atores principais de Na Quebrada, dirigido por Fernando Grostein de Andrade e codirigido por Paulo Eduardo, nasceu e cresceu na zona sul paulistana e entende bem o universo no qual o filme mergulha.

Por meio de cinco histórias reais de jovens que viveram, ou vivem, a realidade da periferia da cidade, o longa conta também a luta dos que, além de tirar notas boas na escola e se preocupar em ter uma profissão, precisam desviar da violência, do apelo das drogas e do tráfico e até de corpos de quem foi morto pela polícia em conflitos durante a noite.

E é exatamente Gerson, o personagem de Jorge, quem une todas as histórias de Na Quebrada. Adolescente sem perspectiva, que conheceu o pai na cadeia e que herda sua dívida com a polícia, ele é mais um do contingente de jovens brasileiros que enveredam pelo crime. “O que está errado é mais fácil, cômodo, rápido, mas a gente sabe que depois sempre vêm as consequências. O Gerson é o personagem que tem a situação mais difícil. O pai morreu na prisão. A mãe não aguentou a perda. Ele sofreu a pressão e, mesmo estando no Criar, acabou no crime”, relata Jorge.

O Criar a que se refere o jovem ator, que faz no longa sua estreia na atuação, é o Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias. Criada por Luciano Huck, a organização não governamental ensina a jovens de diversos bairros humildes e violentos da capital paulista uma profissão. “Para comemorar os dez anos do Criar, o Luciano me convidou para fazer um documentário. Mas eu já estava um pouco cansado do formato”, contou Grostein, que é irmão de Huck e dirigiu os documentários Coração Vagabundo, sobre Caetano Veloso, e Quebrando o Tabu, sobre a questão do combate às drogas no Brasil. “Adoro documentário, mas é bom realizar projetos diferentes. E ouvimos dezenas de histórias de quem passou pelo Criar para elaborar um roteiro de ficção inspirado nesses relatos”, explicou o diretor.

Gerson era um deles. Depois de estudar figurino no Criar, envereda no crime e vai parar na prisão, de onde, um dia, escreve uma carta contando sua trajetória aos alunos da ONG. “Ele bota a mão na consciência e vê que teve a chance de fazer o certo, mas não fez. Então, faz algo para que os outros não cheguem onde ele chegou. É uma história muito autêntica, muito real”, analisa Jorge.

Da trajetória de Gerson e dos outros tantos alunos do Criar que estão, e não estão, retratados no filme, o ator, de 18 anos, pode falar com propriedade. Jorge é filho do rapper Mano Brown, do Racionais MCs, e cresceu não só ouvindo o testemunho de seu pai como o de sua mãe (Eliane Dias, advogada e empresária) como vivendo na pele o cotidiano do Campo Limpo, onde a família vive. “Campo Limpo, Capão Redondo, é tudo um do lado do outro. Por mais que a gente não queira se envolver, basta estar lá para saber. Todo dia tem alguém sendo influenciado pelo crime”, diz ele.

“Mas também tem gente mudando, influenciado pela arte e pelo esporte. A periferia muda a cada dia. Meu pai deu o primeiro passo. O que eles fizeram antes está sendo recompensado hoje. A gente tem de continuar. Não podemos parar”, completa ele, que, entre um treino de musculação e uma aula na faculdade de nutrição (curso que ele não gostou muito e pretende mudar), trabalha na produtora que a mãe administra, cuidando da carreira dos Racionais e dos trabalhos solos de Mano Brown. “É um trabalho. Gosto de fazer, mas não é para toda a vida. Quero estudar mais cinema. Nunca havia pensado em trabalhar com isso, mas tomei gosto. Assim como minha irmã, adorei atuar”, revela.

A irmã é Domênica Dias, de 15, Dodô, como é chamada, estuda teatro no grupo desde os 9 anos no Centro Cultural Monte Azul e vive Mônica em Na Quebrada. “Amei fazer cinema. Quero atuar a vida inteira”, conta ela.

Assim como o irmão, Dodô vê em Na Quebrada a veracidade de um filme que combina o olhar atento de Grostein com a experiência de insider de Paulo Eduardo (que cresceu no subúrbio e fundou o Cine Rincão, que exibia gratuitamente filmes para os moradores da zona leste de São Paulo). “A gente vê que as pessoas estão representadas. A maioria dos filmes mostra os problemas. Este mostra uma solução possível, que não é preciso ter preconceito das ONGs, como há muito na comunidade. A arte é um caminho e pode ser uma profissão”, analisa Dodô.

Para os irmãos, detalhe a ser notado é que o filme mostra a importância da família. “Quem não tem os pais do lado está mais exposto. Tivemos a sorte de ter nossa família estruturada”, completa Jorge, que garante: “Meu pai, que adora cinema, principalmente os filmes que mostram a cultura negra dos anos 1970, o movimento da black music, gostou do filme. Achou autêntico e mostra a real”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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