O palco, os músicos, o público, todos pertencem ao século 21. Mas Matthieu Lussier, regente do grupo Les Violons du Roy, prepara-se para, nesta segunda-feira, na Sala São Paulo, uma viagem em direção ao século 18. “É essa a graça dessa música. O fato de que, ainda que faça parte de uma época específica, o período barroco, não precisamos nos despir daquilo que somos para compreendê-la. Pelo contrário, ela é capaz de falar com a nossa sensibilidade assim como ela é hoje. E isso é fascinante”, diz.
Maestro e músicos canadenses desembarcam nesta segunda-feira em São Paulo para se apresentar pela temporada da Cultura Artística. O concerto evoca a velha história da boa e da má notícia. A má é que, na semana passada, a mezzo soprano checa Magdalena Kozená, estrela do canto lírico internacional, cancelou sua participação na apresentação, alegando motivos familiares. A boa? No seu lugar, canta a soprano russa Julia Lezhneva, que, aos 28 anos, tem conquistado os principais palcos do mundo.
O repertório da apresentação, que antes seria composto apenas de Händel, sofreu algumas alterações. O compositor segue predominante, com concertos e árias de óperas, mas agora está presente também Vivaldi – contribuição de Lezhneva, que, em um de seus principais CDs, une a obra dos dois compositores. “Para mim, o fascinante é encontrar formas de diálogo entre autores e foi o que buscamos fazer entre Händel e Vivaldi”, disse ela, em uma entrevista recente à Classic FM, na qual falou também sobre o seu fascínio pelo repertório barroco. “Nele você tem a chance de se colocar, a sua sensibilidade, quero dizer, de uma maneira mais presente na interpretação.”
Lussier concorda. “No barroco, você tem as notas, mas faltam muitas indicações na partitura a respeito da maneira como elas devem ser tocadas, o que exige muita pesquisa, estudo, mas também este senso de liberdade”, afirma. “O período barroco foi um momento teatral, no qual o importante era provocar reações intensas na plateia, tratando de temas como amor, traição, claro, mas fazendo isso por meio de grandes contrastes na música. Se olhamos no dicionário, o termo barroco quer dizer bizarro, estranho. Mas não é disso que se trata mas, sim, de colocar acima de tudo a capacidade de sentir, de se impactar, e é por isso que essa música é atemporal.”
Para o maestro, também é interessante a chance de colocar Händel e Vivaldi lado a lado. “A história criou imagens muito diferentes para eles. Händel foi um mestre da voz. E sua capacidade de, ao escrever para um cantor, retratar todas as emoções humanas, segue impressionante. Vivaldi, por sua vez, é retratado como o padre ensinando música em Veneza, formando virtuoses do violino. Mas, quando você olha a fundo, descobre a mesma intensidade, a mesma violência teatral nos contrastes. É uma música que soa simples, mas que todos que tentaram imitar não conseguiram.”