Uma onda de recuperação de ativos de risco no exterior, em meio a declarações em tom cauteloso do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, e à valorização expressiva dos preços das commodities, na esteira de gargalos de oferta provocados pelas sanções econômicas à Rússia, abriu espaço para uma nova rodada de apreciação do real. Notícias de provável retomada das negociações entre russos e ucranianos nesta semana também teriam contribuído para o bom humor dos investidores.
Depois de dois dias fechado por conta do feriado de Carnaval, o mercado doméstico de câmbio reabriu na tarde desta quarta-feira (02) esboçando jogar o dólar para cima, em reação ao recrudescimento da guerra na Ucrânia. Na máxima, a moeda atingiu R$ 5,2236 (+1,32%). A febre compradora teve, contudo, vida curta. Já no término da primeira hora de negócios, o dólar passou a operar em queda, sob influencia clara do ambiente externo benigno – marcado por alta firme das bolsas de Nova York e tombo da moeda americana frente a divisas emergentes.
Com renovação sucessiva de mínimas na reta final do pregão, o dólar à vista desceu até o patamar de R$ 5,10, ao tocar R$ 5,1033 (-1,02%). No fim da sessão, era cotado a R$ 5,1073, em queda de 0,94%. A moeda já acumula desvalorização de 8,40% em 2022. O dólar futuro para abril recuou 1,29%, a R$ 5,14500, com giro de US$ 11,6 bilhões.
No exterior, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – ensaiou uma alta pela manhã, mas perdeu força e passou a trabalhar em leve baixa, na casa dos 97,300 pontos. O rublo – que havia amargado queda de mais de 30% – hoje liderou os ganhos entre emergentes, com alta de mais de 6% ante o dólar.
O real e seus pares são beneficiados pelo aumento dos preços das commodities, insuflados pelas restrições de oferta por conta do conflito no leste europeu e das sanções econômicas impostas à Rússia. Bancos russos foram excluídos do sistema de pagamentos internacional Swift e houve congelamento de cerca de US$ 300 bilhões em reservas internacionais do país. Os contratos futuros do petróleo dispararam, fixando-se acima de US$ 110,00. O minério de ferro teve alta modesta no porto de Qingdao na China hoje (0,55%), mas vem de dois dias de valorização firme 2,64% na segunda-feira e 4,41% ontem.
"Parece que o mercado devolveu a alta do dólar que vimos na sexta-feira, quando investidores se protegeram antes do feriado. Apesar do ambiente muito incerto, estamos vendo um aumento recente das commodities, que pode estar favorecendo um pouco o fluxo via exportadores para o Brasil", diz a economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, salientando que é cedo para apostar uma tendência maior de queda do dólar, já que o ambiente ainda é de muita incerteza.
Para o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, os mercados de risco apresentam uma recuperação pontual, após dois dias seguidos de queda, movimento que acaba se refletindo nos ativos domésticos, como o real. "Powell sacramentou um aumento moderado de 0,25 ponto nos juros, que devem continuar subindo depois de forma gradual. E existe a percepção de que com a asfixia econômica e financeira da Rússia, a guerra tende a acabar mais rapidamente", diz Velho, ressaltando que a moeda brasileira também se beneficia de dados de atividade positivos na China.
A combinação de uma alta gradual dos juros nos EUA com uma taxa Selic perto de 13% nos próximos meses mantém o diferencial entre taxas internas e externas em níveis elevados, o que estimula as operações de "carry trade" e, por tabela, dá certa sustentação ao real.
Velho observa que o mercado pode experimentar uma nova rodada de deterioração, já que a guerra trará como grande efeito colateral a alta global da inflação, em sintonia, provavelmente, com perda de dinamismo da atividade. Os preços das commodities, tanto agrícolas como energéticas, devem seguir em rota ascendente, por conta do choque de oferta. "Ao mesmo tempo em que as commodities em alta favorecem o real e parece continuar o fluxo de estrangeiro para o Brasil, o dólar pode voltar a subir com aversão ao risco e essas pressões sobre a economia global".
Na mesma linha, o economista Paulo Duarte, da Valor Investimentos, espera uma intensificação ainda maior da valorização commodities nas próximas semanas, dado que Rússia e Ucrânia são países relevantes na cadeia de fornecimento de matérias-primas, como gás natural e fosfato, usado na produção de fertilizantes "Petróleo já disparou e minério também. Isso deve pressionar ainda mais a inflação, que já era um problema global. Podemos ver um aperto monetário no mundo todo. O Brasil já iniciou esse processo no ano passado", afirma.