Estar em sua 9.ª documenta, exposição que alcança a 14.ª edição desde 1955, acontece de cinco em cinco anos, dura 100 dias e é uma das mais importantes do planeta, não diz o mesmo que visitá-la pela primeira vez. As comparações entre diferentes momentos históricos, conjunturas sociopolíticas, conceitos curatoriais e artistas são inevitáveis. A memória torna-se uma espécie de diagrama de curvas altas e baixas.
Adam Szymczyk, o próprio curador-ativista dessa instituição cujas fundações geopolíticas quer agora “desmantelar”, tinha 7 anos quando Manfred Schneckenburger, o responsável pela primeira documenta que visitei em 1977, questionava ingenuamente “a posição da arte na sociedade da mídia”. Melhores ou piores, as mostras seguintes (exceto a decepcionante 12.ª) parecem harmoniosas e vitais perto da desabusada “agência crítica radical” na qual o jovem crítico e curador polonês quer transformar essa desconcertada e irregular reunião de 160 artistas. Hoje, mesmo a documenta 13 de Carolyn Christov-Bakargiev afigura-se de um gosto, entusiasmo e otimismo raros.
Organizada este ano entre a Alemanha e a Grécia e intitulada Aprendendo de Atenas, a documenta 14 quer colocar a luz sobre uma Europa dividida entre norte e sul, permeada de novos costumes, valores e conflitos econômicos e migratórios. Mas quer sobretudo questionar a própria instituição. Não é a primeira vez que se experimenta a descentralização. Em 2013 houve projetos no Cairo e em Cabul. Mas aqui, a agitação forçada da “troca” é inédita e resulta numa rotatória que não leva a lugar nenhum. Para Yanis Varoufakis, ex-ministro grego da economia, “trata-se de um truque inútil que explora o turismo da crise”. De fato, levar Kassel a Atenas e vice-versa é como um safári ou uma cruzada turística humanitária na África, feita por americanos ricos. Não surpreende que, na capital grega, a operação suscitou tantos protestos. Por mais exemplos que existam da rica relação entre os dois países ao longo de sua história e cultura, uma obstinação arbitrária como esta, baseada em ideologias e conceitos abstratos, não justifica tal deslocamento.
Por outro lado, junto ao seu time numeroso, este curador intitulado “campeão dos artistas desconhecidos”, tem olho e gabarito intelectual para identificar e enquadrar o zeitgeist (o espírito do tempo). Como, além do mais, ele vem de uma experiência colaborativa na Foksal Gallery de Varsóvia, na Kunsthalle da Basileia e em outros lugares de prestígio, esperava-se uma documenta fascinante. Ao contrário, foi esse, talvez, o ponto vulnerável: quando não se é um Harald Szeemann, convidar artistas a trazer ideias ajudando-os a materializá-las não é promessa de bons resultados. Também não é garantia a escolha personalista, cujo principal critério é o “vanguardismo”, baseada em experimentalismo, trocas e “redes” formadas durante práticas profissionais.
Da mesma forma, a quebra de tradições pode resultar em equívocos. O museu Friedericianum, por exemplo, que usualmente é o lugar principal e renovador da mostra, acolhe o déjà-vu internacional da coleção mediana do museu contemporâneo de Atenas. Para quê? Para sustentar a fachada de um artista turco com os dizeres “Estar a Salvo é Aterrador” e servir como cenário do plastificado “Partenon de livros”, manifesto obsoleto e kitsch contra a censura, de uma artista argentina que não conseguiu reunir volumes suficientes para recobri-lo?
Todavia, até “rock star curators” têm obrigações com a oficialidade e carregam o peso da responsabilidade institucional. Felizmente são obrigados a admitir que também existe vida artística fora da marginalidade radical. Assim, no novo Museu Grimmwelt encontramos os curiosos desenhos do extraordinário escritor e crítico literário polonês Bruno Schulz (1892-1942), inspirados pelos contos dos irmãos Grimm e raramente exibidos fora da Ucrânia.
Nos edifícios e ao ar livre, há igualmente raras obras memoráveis e a presença de uma dúzia de figuras de peso. E a Neue Galerie, lugar mais denso e significativo de toda a documenta, culmina com a abordagem do controvertido caso Gurlitt das obras espoliadas e um importante projeto sobre instituições que preservam livros e documentos de judeus na época da perseguição nazista. Exceto essas visitas comoventes – que por si só, já valem a viagem – nada é fundamental nesta documenta que se espalha por 35 lugares da cidade e também por Atenas, para nos contar o que já sabemos: o mundo vai mal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.