O julgamento de Lula se tornou uma grande aula pública sobre os procedimentos adotados por quem tem a obrigação de formular um discurso argumentativo convincente. Pois, embora montados com intuitos opostos, os discursos de acusadores e defensores do ex-presidente se valeram dos mesmos procedimentos. E não poderia ter acontecido algo diferente. Porque, ao nos lançarmos na desafiadora empreitada de tentar convencer alguém a compartilhar um determinado ponto de vista – ou a defender um ponto de vista que o contrarie frontalmente -, somos forçados a dar os mesmos passos no caminho da estruturação de nosso discurso, como nos lembra o mestre Othon Garcia, em “Comunicação em Prosa Moderna”.
Concentramos num pequeno fragmento o ponto de vista que apregoamos, ao qual, supostamente, teremos chegado por meio do manuseio isento do material de que dispomos. “Lula é culpado”, ou “Lula é inocente”, por exemplo. Às vezes, este fragmento de discurso verbal – chamado de tópico frasal – não é logo enunciado. Eventualmente, podemos, inclusive, optar por mantê-lo apenas implícito ao longo de toda a extensão de nosso discurso, sendo explicitado apenas no seu final. Mas, tratamos logo de fundamentá-lo.
Entre estas duas partes – o tópico frasal e a fundamentação -, tem de haver, é evidente, uma harmonização lógica. De vez que um dos dois esteios da argumentação convincente é exatamente a consistência de um raciocínio lógico.
Outro esteio é a evidência das provas apresentadas na defesa do ponto de vista. Garcia define evidência como “a certeza a que se chega pelo raciocínio ou apresentação dos fatos”. Só os fatos provam. E, sem eles, toda declaração é gratuita. Assim dizer “Fulano é ladrão” vale tanto quanto dizer: “Fulano não é ladrão”. Nenhum dos dois pronunciamentos convence.
Admitida a importância da apresentação de fatos, impõe-se a pergunta desafiadora: “Mas, o que é fato?” Para Garcia, é a coisa feita, verificada e observada. Portanto, um fato só adquire consistência como prova do acerto de um ponto de vista depois de cuidadosamente observado. Do contrário podemos considerar como fato algo que não passa de indício. Por exemplo, alguém exibe um padrão de vida em desacordo com seus ganhos. Isto, por si só, não nos autoriza a dizer que aquela pessoa rouba. É possível que ela roube. É mesmo provável. Mas não é certo que ela seja um ladrão porque isto não fica comprovado por aquele simples indício.
Além dos fatos, outro recurso pode ser usado para também gerar evidência. O testemunho de alguém fidedigno. Ocorre, porém, que, quando várias pessoas testemunham sobre os mesmos fatos, elas, frequentemente, entram em contradição. E isto torna incerto o valor de cada versão. Ela por ser convincente, num contexto. E, desprezível, em outro.
O julgamento de Lula, sem dúvida, concentrou a atenção do País no desempenho dos profissionais da Justiça. Ninguém, porém, deve supor que somente eles usam os procedimentos indispensáveis à busca da criação de discursos convincentes. Usam-nos, igualmente, em seus trabalhos, jornalistas e publicitários. E, todas as demais pessoas, no convívio social. Quando querem apenas convencer alguém de que irá chover nas próximas horas. Ou, numa empreitada mais ambiciosa, pretendem provar que a natureza humana é boa (ou ruim), segundo o Alcorão, desencadeando um confronto de pontos de vista que um site árabe, especializado em Educação, ilustrou com a imagem que acompanha este texto.