Conheci Diego Sabádo, em Belém, como um jovem dotado de inteligência, talento e vocação suficientes para predestiná-lo a uma exitosa carreira acadêmico-literária. E fui surpreendido pela divulgação da notícia sobre a escolha dele pelos produtores da TV Globo para participação na décima oitava edição do Big Brother Brasil. Numa entrevista, vi a designação que Diego dava àquele programa televisivo: “um zoológico humano”.
Diego usou-a, provavelmente, sem saber que Alex Polari a havia empregado no título de um poema, há mais de quatro décadas, quando era somente um pouco mais novo que ele. E estava preso num quartel do Exército, à Rua Tutóia, em São Paulo onde o tratavam como se fosse um animal perigoso. Diariamente, em grupos, policiais o chutavam e esmurravam como se aplicassem golpes numa massa de carne, ossos e músculos, tentando forçá-lo a deletar companheiros de resistência armada à Ditadura Militar vigente no País. Mais tarde, Polari escreveria: “Não era mole. Aqueles dias de percorrer de capuz a distância da cela à câmara de tortura e, nela, ser capaz de dar urros tão feios como nunca ouvi”.
Seu poema “Zoológico humano” terminava assim: “A quem interessar possa:/ Estamos abertos à visitação pública/ sábados e domingos /das 8 às 17 horas. /Favor não jogar amendoim”.
É outro o tipo de degradação humana que sofre Diego, agora. Criada pelo confinamento num ambiente de pessoas estranhas que tem em comum apenas a ânsia por dinheiro e pela fama fútil de uma subcelebridade. Com elas, Diego é forçado a ter convívio íntimo, em meio a todo de futrica e mesquinharia. As quais são tratados com os amplos recursos de produção e edição da emissora, e, vendidas como novo produto para um grande público condicionado a ver a realidade humana-social do Brasil na sua versão pervertida de “mundo cão” reluzente.
Para se enfiar ali, Diego certamente teve de lutar. Seu propósito, como relevou naquela entrevista, é obter recursos para montar uma escola de arte.
Pode ser que consiga isto, ou não. De qualquer modo, é certo, já dispõe de outra riqueza, valiosa para quem escreve: vivência. Pela qual jornalistas e escritores suportam sacrifícios, inclusive outros semelhantes, de degradação humana. Convictos de que só compreende bem uma dada situação humana – habilitando-se a escrever com propriedade sobre dela -, quem a experimenta na própria pele. Foi este princípio que impulsionou Kate Coleman.
Formada pela Universidade da Califórnia, com bacharelato em Inglês e Ciências Humanas, ela desfrutava do status de grande jornalista da Newsweek e do New Times, quando quis escrever sobre a situação existencial de uma prostituta. Ela percebeu que precisava descobrir em si mesma como se sentia a mulher que vende seu corpo. Ficou conflitada intimamente, mas terminou aceitando servir sexualmente a um cliente de prostíbulo.
Kate e Polari conseguiram dar dignidade às suas vivências ao enriquecer seus textos com elas.
Torço para que Diego tenha a mesma sorte!
(Na ilustração, Kate Coleman, hoje – mais de 30 anos depois daquela vivência)