Altas temperaturas, shoppings lotados, arroz com passas, panetone, o tio do "é pavê ou pacomê". Definitivamente, o Natal no Brasil não lembra em nada as celebrações típicas retratadas nos filmes norte-americanos, com muita neve, Jingle Bells e casas enormes com fachadas iluminadas. Clássicos como Esqueceram de Mim, A Felicidade Não Se Compra, Grinch, até Duro de Matar, entre tantos outros, fazem parte da memória afetiva do público brasileiro há gerações. O cinema nacional nunca, de fato, se enveredou por esse gênero. Este ano, no entanto, diversas produções investem em histórias natalinas com o jeito brasileiro de comemorar a data. E os filmes pioneiros estreiam nesta quinta-feira, 3: Tudo Bem No Natal Que Vem, com Leandro Hassum, entra no cardápio da Netflix, enquanto 10 Horas Para o Natal, com Luis Lobianco, chega às salas de cinema (em São Paulo, elas continuam abertas mesmo após o Estado ter regredido para a fase amarela no plano de flexibilização).
É interessante perceber que Tudo Bem No Natal Que Vem e 10 Horas Para o Natal têm muitas similaridades: são comédias leves, divertidas, mas recomenda-se assisti-las com lencinhos para enxugar as lágrimas nos momentos mais emocionantes; as histórias giram em torno da figura do pai, mas preste atenção: os filhos desempenham papéis fundamentais nas tramas; há separação dos casais principais; e a jornada dos personagens vem carregada de mensagens que são reveladas no final.
Filme nacional de Natal da Netflix, Tudo Bem No Natal Que Vem conta a história de Jorge (Hassum), casado com Laura (Elisa Pinheiro), pai de dois filhos e que mora no Rio. Ele detesta o Natal, porque faz aniversário no dia 24, e, por isso, a vida inteira ganhou só um presente e nunca conseguiu fazer festa com os amigos, porque eles estavam comemorando a data com suas famílias. Numa noite típica natalina em sua casa – com muita comida, presentes e discussões entre parentes -, Jorge é obrigado a se vestir de Papai Noel e cai do telhado. Depois daquele incidente, ele acorda na véspera de Natal do ano seguinte e se dá conta que não lembra de nada do que viveu naquele ano. E está condenado a passar por isso ano após ano.
Difícil não se lembrar de O Feitiço do Tempo ou Click, mas o roteirista Paulo Cursino diz que não há referências específicas no filme. "Eu queria fazer uma história a partir de uma coisa muito brasileira, um comentário que as pessoas fazem todo final de ano: eu não vi esse ano passar. E se a pessoa não visse o ano passar, não lembrasse de nada dos outros 364 dias? Uma brincadeira com perda de memória. Essa ideia me persegue há muito tempo", conta Cursino, que volta a trabalhar com Hassum e o diretor Roberto Santucci – o trio fez sucesso no cinema com filmes como Até Que A Sorte nos Separe e O Candidato Honesto. "O Natal brasileiro é Roberto Carlos, é Simone, é família brigando. Então, isso que traz a identificação. Tenho predileção pelo humor de identificação. Bato muito nessa tecla, porque o brasileiro está precisando se identificar com as coisas", diz Hassum, que comemora o fato de o filme poder ser visto na plataforma de streaming em 190 países. "Além de divertir muito, faz pensar: preciso valorizar os momentos, minha família, olhar para as pessoas próximas. A gente tem uma participação especial do Daniel Filho, que faz meu pai, e ele fala para mim: A vida é um sopro, meu filho. E essa frase neste ano de 2020 ficou muito comprovada."
Com direção de Cris DAmato, 10 Horas Para o Natal também trabalha nesse campo da identificação. Em São Paulo, o Natal na casa dos Silva era uma alegria até Marcos Henrique (Luis Lobianco) e Sônia (Karina Ramil), pais de três filhos, decidirem se divorciar. As celebrações natalinas passam a não ser mais as mesmas. Para uni-los de novo, as crianças (entre elas a atriz Giulia Benite, de Turma da Mônica – Laços) planejam um Natal especial e vão sozinhas à 25 de Março. Após descobrir o paradeiro dos filhos, Marcos Henrique acaba embarcando no plano. Eles têm apenas 10 horas para conseguir erguer essa festa e convencer a mãe a participar dela. Mas, claro, encontrarão (muitos) obstáculos. "Todos os elementos de filmes de Natal, a gente tentou incluir no nosso roteiro. A gente estava filmando em julho. Aproveitei o frio, porque acho que a gente tem essa noção do frio, da neve no Natal. Há os elementos nacionais também, a gente foi para a 25 de Março", conta a diretora. "Tentei fazer um filme tipicamente brasileiro em São Paulo, mas com alguma memória dos filmes que eu já tinha visto."
Para Lobianco, foi uma experiência inusitada protagonizar um filme de Natal. "Nunca imaginei que isso fosse acontecer, porque é uma referência muito forte, mas sempre vinda de fora. A gente não tem filme de Natal brasileiro. E quando fui convidado, achei incrível, porque é essa atmosfera, mas para falar de amizade, de solidariedade, de amor, de responsabilidade dos pais", diz o ator.
E por que o Brasil não tem uma tradição de filmes natalinos? Para Lobianco, não é pelo tema, mas porque o cinema nacional sempre foi pouco incentivado. "Para dar conta de todas as histórias, todas as narrativas, leva um tempo", diz ele. Na opinião do roteirista Paulo Cursino, o cinema brasileiro "não pensa em público, não pensa em mercado". "As pessoa gostam de histórias de Natal", ressalta ele.
<b>Mamãe Noel negra</b>
Primeira série natalina, Liga do Natal – Uma Aventura no Rio, que estreia no sábado, 5, às 14h, na InterTV (afiliada da Rede Globo) e no YouTube, transporta o Papai Noel e sua família do Polo Norte para o Rio. Eles se refugiam no Brasil para fugir da Liga AntiNatal e fazer os preparativos para a festa em paz. "O maior desafio foi trazer o Natal para o Rio de Janeiro sem perder a mágica. A equipe de produção encontrou uma casa maravilhosa em Santa Teresa", conta a diretora de conteúdo e roteirista, Bia Rosenberg. "Os figurinos foram adaptados para o calor – menos o do Boneco de Neve, claro. Usamos frutas tropicais e pratos tradicionais brasileiros. E os episódios foram abrilhantados por diferentes estilos musicais, contando com um bloco carnavalesco (o Bloco das Renas), que mistura Natal e carnaval. Mais brasileiro, impossível."
A série educativa é estrelada ainda pela Mamãe Noel negra, interpretada por Verônica Bonfim. "Só podemos transformar nossas realidades, mudar o mundo, se formos exemplos de respeito à diversidade e garantindo a representatividade em todas as instâncias da construção do projeto, de dentro para fora", afirma a idealizadora do projeto, Priscylla Mesquita. "E fazer a virada de chave neste ano tão emblemático, com o nosso Natal tropical, atualizando a tradição, trazendo a primeira Mamãe Noel negra da história, a cara do nosso país, era um ponto fundamental para dar a partida no projeto em 2020."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>