Um barco que saiu de Santarém rumo a Vitória do Xingu, no Pará, com mais de 70 pessoas a bordo, afundou no Rio Xingu – entre os municípios de Porto de Moz e Senador José Porfírio -, na madrugada desta quarta-feira, 23. Até o início da noite, os dados oficiais eram de 10 mortos, 15 sobreviventes e cerca de 40 desaparecidos. A embarcação Capitão Ribeiro não tinha registro na Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos (Arcon).
Segundo a Arcon, a embarcação pertence à empresa Almeida e Ribeiro Navegação e realizava “transporte clandestino de usuários”. Embora tivesse sido notificada pela fiscalização da agência no dia 5 de junho deste ano para que providenciasse a regularização, nenhum diretor da empresa compareceu ao órgão público.
Após sair de Santarém, a embarcação faria escala nos municípios de Monte Alegre e Prainha e teria como destino final Vitória do Xingu, em uma única viagem. De acordo com o governo do Pará, até 40 pessoas, sobretudo idosos, teriam embarcado em Porto de Moz.
Segundo o DJ e animador de festas em Altamira Bruno Costa, de 32 anos, um dos sobreviventes do acidente, ao notar a possibilidade de naufrágio, 25 pessoas decidiram nadar até a margem do rio, no meio da escuridão. Ele conta que os sobreviventes ficaram cerca de seis horas nadando sem saber onde estavam e conseguiram chegar à margem apenas às 3 horas.
“Graças a Deus, estou muito bem, mas tive momentos terríveis em minha vida. Era por volta de 21h30 (de terça-feira, 22), quando começou uma tempestade muito forte. De repente, o barco começou a estalar e a afundar”, relatou Costa. Segundo ele, a lona amarrada em uma parte da embarcação para que a água da chuva não molhasse as pessoas impediu muita gente de sair do barco, provocando pânico entre os passageiros.
Costa relata que conseguiu pegar uma criança de 2 anos, embora estivesse sem colete salva-vidas, quando outro passageiro, na agonia de escapar, projetou-se sobre ele, rasgando suas roupas. “Eu fui para o fundo com a criança nesse momento, mas ao voltar à superfície vi várias pessoas perto de mim, gritando. Peguei um colete e me mantive na superfície, conseguindo também salvar a criança. Mas outras pessoas não tiveram a mesma sorte. Agradeço a Deus por estar vivo.”
Às 20horas desta quarta, ainda havia informações desencontradas. O governo do Pará falava em 15 sobreviventes, mas outros órgãos apontavam até 25.
Entre os dez mortos confirmados, há seis mulheres, dois homens e duas crianças. As vítimas do naufrágio estão sendo levadas para o hospital municipal de Porto de Moz. Equipes do Instituto Médico-Legal (IML) de Altamira estão se deslocando para a localidade para tentar identificar os corpos.
De acordo com o Comando do 4º Distrito Naval da Marinha, no Estado do Pará, no ano passado, aconteceram 22 naufrágios. Em 2017, até agora, houve 7. O trecho do Xingu onde aconteceu o naufrágio é conhecido por fortes correntezas e tem profundidade de até 30 metros.
Resgate
O Capitão Ribeiro foi içado do fundo do rio no começo da tarde de ontem e o trabalho se concentrou na entrada dos mergulhadores para fazer uma varredura na tentativa de localizar pessoas presas dentro de compartimentos da embarcação. Além disso, lanchas e barcos procuram sobreviventes às margens do rio. As buscas devem ser retomadas na manhã de hoje.
A polícia abriu inquérito e começou a ouvir os sobreviventes. “Os bombeiros foram comunicados do naufrágio somente sete horas depois do acidente”, segundo informou ao Estado o subcomandante-geral da corporação, coronel Augusto Lima.
Em nota, a Marinha do Brasil disse que enviou o navio-patrulha Bocaina e a Lancha Balizadora de Mar Aberto Marco Zero ao local para realizar buscas e coletar informações preliminares. “Um inquérito administrativo foi instaurado para apurar causas, circunstâncias e responsabilidades do acidente”, diz o órgão. A Marinha diz, ainda, que a embarcação que naufragou está inscrita na Capitania Fluvial de Santarém e se solidariza com as famílias das vítimas.
Precariedade
Para o engenheiro naval Pedro Lameira, a segurança da maioria dos 60 mil barcos que navegam pelos rios amazônicos é problemática porque essas embarcações possuem “precárias condições para suportar um rápido alagamento” durante um acidente. Além disso, segundo ele, o excesso de carga e passageiros “compromete a estabilidade”.
“Os rios na Região Norte são como ruas”, complementa o consultor Frederico Bussinger, ex-secretário de Transportes de São Paulo, especialista em transportes hidroviários. “Os rios ali são usados, centenariamente, para todos os deslocamentos, seja de pessoas, mercadorias ou combustíveis.”
Como principal e às vezes única forma de acesso a diversas comunidades instaladas nas beiras dos rios, as embarcações se apresentam nas mais diversas formas. “Há catamarãs de altíssima qualidade e portos bem estruturados”, afirma ele. “Mas há também o transporte clandestino e portos que são trapiches instalados em barrancos nas beiras dos rios”, afirma Bussinger. “O transporte se intensificou mais nos últimos anos com a chamada saída norte, o transporte de mercadorias de Mato Grosso e Goiás, para os portos do Norte”. U