Estadão

Nautopia fala da busca pelo impossível

"Navegar é preciso", já dizia o poeta Fernando Pessoa aos familiares que a perda castigou, seguindo uma frase atribuída ao general romano Pompeu sobre a persistência. E é na finitude e fragilidade da vida, situação que nos obriga a levantar a cabeça diante das dificuldades, que se baseia o Nautopia – Um Musical, em cartaz no novo Teatro B32.

Escrito e dirigido por Daniel Salve, o espetáculo é um raro exemplo nacional do gênero, com produção enxuta, mas caprichada e grande seleção de músicas (25, escritas por Salve) marcadas por sensibilidade e adequadas à narrativa – que acompanha grupo de amigos que, no início dos anos 1990, cria uma comunidade no litoral catarinense.

O projeto, na verdade, nasceu de um estranho sonho que Salve teve há alguns anos. "Não me lembro de detalhes, apenas que se tratava de um musical chamado Nautopia e que trazia uma narrativa marcada por fantasias e redenção de um passado", conta ele, dono de uma invejável carreira profissional que soma mais de 25 anos – atua como diretor e produtor artístico e musical na Walt Disney Company há mais de 15 anos.

Disposto a dar contornos àquela história, ainda que não tivesse certeza do rumo a ser tomado pela narrativa, Salve iniciou, em 2017, uma série de workshops. "Logo no primeiro, ficou evidente que a poética tinha o mar como simbologia primordial – não apenas as águas oceânicas, mas também o mar cósmico das estrelas", conta. "Assim, apontava para a história de uma comunidade à beira-mar. E não em área de calor, mas de frio."

Pesquisando no mapa, começou a subir desde a região polar até descobrir, no município de Palhoça, em Santa Catarina, um lugar chamado Vale da Utopia. Acessado apenas por trilhas, o local oferece um convidativo gramado, pedras exuberantes e mar de águas cristalinas. "Há vários anos, era conhecido por comunidades hippies que viam lá um importante ponto energético", explica Salve.

<b>Irmã</b>

Assim, aos poucos, foi nascendo a história de Tomás (interpretado por Beto Sargentelli), jovem que decide deixar o local onde nasceu, o Vale da Utopia, e rumar para Paraty depois do misterioso desaparecimento de sua irmã Clara (Sofia Savietto). Disposto a esquecer o passado, Tomás se envolve com uma mergulhadora, Iara (Luana Zehnun).

Os personagens, aliás, carregam nomes significativos, a começar por Tomás, que remete a Thomas More (1478-1535), autor de Utopia, obra que propõe uma sociedade alternativa e perfeita.

Tudo muda, porém, quando o rapaz é informado da doença que mina as forças de Rocha (Jonathas Joba), seu padrinho e pai de criação. De volta ao Vale da Utopia, Tomás é obrigado a enfrentar histórias não concluídas, como a que envolve uma ex-namorada, Selena (Eline Porto), por quem ainda é apaixonado, e até o mistério que ronda sua paternidade.

"Daniel construiu um enredo que, aos poucos, vai se fechando, sempre marcado por canções refinadas", comenta Sargentelli, um dos principais intérpretes do musical brasileiro. "Fiquei tão fascinado pelo projeto que estou também como produtor."

Ele conta com o precioso apoio de Alexandre Bissoli que, como diretor de produção, se encarregou de fechar um orçamento enxuto, que não conta com patrocínios ou leis de incentivo. "O cenário é manipulado pelos atores que, graças a um jogo de luz e panos, produz a sensação de mar e céu", observa.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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