Como num velho clássico do blues, o tempo está ao lado de Ney Matogrosso. Ou o contrário. Aos 73 anos, na estrada com o show Atento aos Sinais desde fevereiro de 2013, ele diz sentir, naturalmente, mas não se preocupar muito com a passagem do tempo. Reinventor de si mesmo – como Tom Zé, que artisticamente parece nunca envelhecer -, o cantor traz implícita essa ordem de vida “sem mistificação” (como diz um poema de Carlos Drummond de Andrade), mas com marcas incisivas, em canções como A Ilusão da Casa (Vitor Ramil), Vida Louca Vida (Bernardo Vilhena/Lobão), Noite Torta (Itamar Assumpção), Roendo as Unhas (Paulinho da Viola) e Todo Mundo o Tempo Todo (Dan Nakagawa).
Com imagens e projeto gráfico fiéis ao deslumbre da produção no palco, o show sai agora em CD ao vivo e DVD dirigido por Felipe Nepomuceno pela Som Livre. Simultaneamente o Canal Brasil lança o documentário Olho Nu, com direção de Joel Pizzini. Em ambos os projetos, a nudez é uma metáfora libertária – pela atitude política que pauta a carreira de Ney desde o início – e não por acaso Nepomuceno explora enfaticamente os movimentos sensuais do cantor no show, em ângulos e detalhes que poucos veem da plateia. Ney diz que deu algumas sugestões nos dois filmes, mas, coerentemente, não interveio na linguagem dos diretores. “Todas as interferências que Felipe fez no DVD acho muito interessantes. Ele captou o espírito da coisa de sexualidade do show e acentua isso. Achei até ousado da parte dele assumir aquilo que filmou, porque está um pouco demais, mas não me incomoda, não tenho nada contra.”
Um dos momentos mais interessantes é o fim Tupi Fusão (Vitor Pirralho/Dinho Zampher/Pedro Ivo Euzébio/André Meira), quando o diretor utiliza o recurso de câmera lenta e tanto o vídeo como o áudio se distorcem e os aplausos e uivos do público soam como gritos tribais, que fazem sentido dentro do tema da canção.
Sem medo de arriscar como outros intérpretes têm, Ney põe em cena uma série de canções novas, inéditas ou esquecidas de autores também pouco conhecidos do grande público e o lado B de compositores consagrados como Itamar Assumpção, Dan Nakagawa, Rafael Rocha e Alberto Continentino (ambos da banda Tono), Beto Boing, Paulo Passos, Jerry Espíndola, Alzira E, arrudA, Vitor Ramil, Caetano Veloso, Pedro Luís, Criolo e Paulinho da Viola.
Isso é mais uma prova de que tem muita gente nova compondo música boa no Brasil. “E faço sem nenhum medo, sem nenhum tipo de preocupação. É o que me interessa falar”, diz. “Desde o primeiro show da turnê, pela maneira como essas canções foram embaladas, o público foi extremamente receptivo. Então não houve um estranhamento, nenhum sinal de rejeição. Acho que as pessoas não têm é coragem de arriscar. Não tenho esse problema.”
Em maio deste ano, em entrevista à emissora RTP , de Portugal, Ney foi incisivo ao criticar diversos aspectos do Brasil em questões político-sociais. Incomodou fãs e foi também bastante criticado por quem apontou equívocos em suas observações, mas não mudou de opinião. “Não menti. Continuo confirmando tudo e quero ver o governo Dilma mudar tudo o que eu disse. Ainda têm 7 milhões de miseráveis, admitidos pelo governo – falei 10 milhões. Então, errei”, ressalva.
“Mas e quanto à corrupção galopante de bilhões de reais que são desviados? Ladrão tem que estar na cadeia, independentemente de qualquer partido. Mas quem é preso no Brasil é só preto e pobre. E Paulo Maluf está solto e ainda opinando sobre a política. Tá errado. Agora talvez a coisa tenha pesado mais porque é o PT que está no governo há 12 anos, então o foco tenha ficado neles, mas não falo deles apenas. Disse claramente que não é o único partido que rouba.”
Defensor do voto nulo na falta de melhor candidato, para não escolher “o menos pior”, ele diz que no segundo turno para presidente teria votado em Aécio Neves “pelo simples fato de mudar de mão”, mesmo com todos os escândalos noticiados a respeito do candidato. “A gente não pode ficar refém, é muito tempo para um partido só estar governando, com todos os vícios que já estão declarados e publicados.”
Pela primeira vez, Ney diz não ter em mente outro projeto de disco ou show. “E não estou preocupado com isso. Tinha uma ansiedade de colocar tudo para fora e que misteriosamente desapareceu e não estou preocupado com o próximo passo.” No entanto, há em andamento um projeto de seis DVDs reunindo seus grandes encontros com outros intérpretes. “Há até um dueto meu com João Gilberto cantando Curare (Bororó) uma das coisas que senti falta disso no documentário Olho Nu”, lembra. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.