Mundo das Palavras

Neymar: a busca aflitiva de um rosto

Um caso comovente de defesa da imagem do próprio rosto, hoje esquecido, ocorreu dentro da História do Futebol Brasileiro. Com o craque Afonso Celso Garcia Reis – o Afonsinho -, jovem filho de um ferroviário, que se tornou um herói deste esporte. Pois, resistiu à opressão que lhe foi imposta pelos órgãos de repressão política, na Ditadura Militar vigente no País, a partir de 1964. E, sozinho, abriu caminho para a conquista da libertação de todos os nossos jogadores profissionais de uma espécie de escravidão. 
 
Com 15 anos de idade, Afonsinho já jogava profissionalmente no XV de Jaú, do interior paulista. Com 18 anos, estava, em 1965, no Botafogo, o time do grande artista do Futebol Mundial, Garrincha. Ajudou o time a acumular títulos de campeão – inclusive, na Taça Brasil, em 1968, quando comandou o time -, até 1970. Naquele período foi formada a seleção que se tornaria tricampeã mundial. E, Afonsinho era candidato natural a uma de suas vagas – respeitado pelos cronistas esportivos, e, amado pelos torcedores. Ele, porém, foi atirado pelo Botafogo na segunda divisão carioca, emprestado ao Olaria. Depois disto, o Botafogo o reteve, sem escalá-lo para jogar, privando-o de salário. Preso a um dos contratos típicos da época, que davam aos clubes o poder de se tornarem donos dos jogadores, através de um instrumento jurídico – o passe. O Botafogo, na verdade, quis destruir a carreira de Afonsinho, por imposição dos órgãos de repressão política da Ditadura. Uma represália à solidariedade que o jogador passou a manifestar aos opositores do regime autoritário, quando se tornou aluno de Medicina. 
 
O pretexto usado pelo time foi a recusa de Afonsinho em alterar a imagem do seu rosto, emoldurado por barba e bigode, desde quando seus pelos começaram a crescer ali. Afonsinho, porém, soube reagir. Como seu tinha voltado a estudar e se formou em Direito, os dois entraram com um processo junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Reivindicaram o respeito a um direito universalmente reconhecido – o de trabalhar. Conseguiram a vitória, que, anos depois, permitiu a legalização do passe livre para todos os atletas.  
 
Esta conquista da liberdade que levou à atual feição do profissionalismo do esporte no Brasil tornou simbólica a conquista por Afonsinho da liberdade que permite a cada jogador fixar a imagem identificadora que quiser para o  próprio rosto. Algo ainda estampado,  hoje, em Afonsinho, um psiquiatra de olhar sereno, com sua barba e seu bigode brancos, aos 71 anos de idade. Numa paz desconhecida por Neymar. O jogador que obstinadamente modela sua aparência, sem jamais ficar satisfeito. Numa angustiosa busca de identidade visual que o artista francês Yann Dalon expressou sufocando o perfil que desenhou dele com formas e cores berrantes. 
 
(Na ilustração, Neymar, por Yann Dalon)
 

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