Estadão

No 3º dia de The Town, enfim deu tudo certo – menos a voz de Adam Levine, do Maroon 5

No feriado de 7 de setembro, quinta-feira, o festival The Town reabriu as portas no Autódromo de Interlagos, na capital paulista, em atmosfera mais tranquila que no final de semana anterior. Com melhorias na entrada e mais bebedouros, a produção do evento mostrou um esforço para tirar a má impressão do início conturbado do evento – como eles haviam indicado ao jornal <b>O Estado de S. Paulo</b>.

Foi um dia em que parecia que tudo ia dar certo – até Adam Levine, vocalista do Maroon 5, atração principal da noite, subir ao palco com uma voz estranha, em um show burocrático…

O palco principal, Skyline, foi aberto por Ludmilla, com estrutura de artista internacional. Ela lotou o espaço mesmo antes de o sol se pôr.

Uma passarela foi incorporada ao Skyline para servir ao Maroon 5. Mas ela serviu também para a brasileira passar e fazer seu show explosivo.

Por lá também passaram os pés descalços da inglesa Joss Stone – para um público menor e mais morno.

O duo Chainsmokers fez seu som eletrônico com riffs de rock e melodias pop mais ao fundo, nas mesas de som.

No fim, claro, a passarela deu acesso para que fãs dedicadas vissem Adam Levine do alto.

No palco The One, a programação era de jazz, R&B e, no que dependesse de Maria Rita, samba.

Públicos menores, mas bastante satisfeitos, viram o jamaicano Masego e a beninense Angélique Kidjo.

A noite no palco acabou com Ne-Yo, que empolgou quem entrasse em seu bailão neo-flashback.

<b>Clima</b>

Até o céu foi mais amigável no início da segunda parte do festival.

O dia começou com calor, passou por uma chuva bem fina, que nem chegou a atrapalhar, e terminou frio – mas nada perto da chuva traumatizante do sábado de estreia.

<b>Maroon 5 faz show esperado – e burocrático</b>

Adam Levine leva ali dentro uma contradição: os roqueiros o veem como líder de uma boy band arrumadinha e os <i>boys banders</i> o enxergam como mentor de uma banda de pop rock apenas competente. Por mais que se esforce em ganhar relevância, só seus shows podem tirar a prova.

Adam e seu Maroon 5 não fazem espetáculo, mas show. Isso é rock and roll. Não há momentos cênicos extasiantes nem nada que fale mais alto do que aquilo que ele canta, pro bem e pro mal.

<i>Moves Like Jagger</i> é colada a <i>This Love</i> para uma abertura de pressão. Isso é rock and roll. E seus músicos, sobretudo o guitarrista James Valentine, toca muito.

Adam também sola muito, e isso é bem rock and roll. E ele faz um esforço insano para ficar feio, com um corte semi skinhead, o que seria rock and roll se ele conseguisse deixar de parecer um sexy symbol dos anos 90.

<b>Ne-Yo mostra seu bailão neo-flashback no The Town</b>

As pessoas de 40 anos ou mais podem se assustar quando alguém de 25 ou menos disser que Ne-Yo é nostálgico, que Ne-Yo faz lembrar a infância, que Ne-Yo é tiozinho. Essa espécie de neo-nostalgia ou pós-flashback, uma saudade que se tem não de artistas dos anos 70 ou 80, como nos acostumamos a sentir, mas de sons dos anos 2000, é o flagrante de algo inegociável: o tempo passa e a indiferença de uns pode se tornar a mais afetiva nostalgia de outros.

O show levou muitos jovens de 25 anos ou menos a se emocionarem com <i>Miss Independent</i>, <i>She Knows</i> e, sobretudo, <i>So Sick</i>, as mais novas velhas canções do pop.

O bailão de nostalgia de Ne-Yo, o tempo todo rodeado por três exuberantes bailarinas, chega a uma espécie de auge no meio do show e, a partir de então, é só ladeira acima.

Se Ne-Yo será apagado pelos anos ou por aquilo que tem dito fora dos palcos, não sabemos. Mas se não preservar a memória afetiva que começa a criar no coração de seus fãs, ela pode se tornar trauma.

<b>Joss Stone faz show despojado, de musicalidade fácil</b>

No mesmo lugar onde, duas horas antes, fãs se espremiam para enxergar (mal) um pedaço do palco da brasileira Ludmilla, grupos de pessoas estavam sentadas, de costas para o palco, enquanto a inglesa Joss Stone se apresentava no The Town, no início da noite da quinta-feira.

Não era culpa de Joss Stone, como sempre talentosa e com a mesma voz apaixonante de quando estourou aos 16 anos de idade, há 20 anos.

E o jeito despojado, com musicalidade fácil, tem tudo a ver com o Brasil, um mercado especial para ela.

Joss já veio ao país outras sete vezes – as duas últimas em São Paulo foram em junho de 2022 e abril de 2023. Mais um motivo para ter deixado o show para um horário mais cedo e descompromissado – ela mesma, provavelmente, iria preferir.

Deu agonia ver gente sentada de costas ou batendo papo alto enquanto Joss Stone encarnava Janis Joplin e jogava um girassol para a plateia de forma simpática, sem parecer cosplay de hippie. Mas essa agonia é do repórter, não dela.

<b>Ludmilla se garante no talento para o funk e pagode</b>

Os boatos eram de que Ludmilla faria um dos melhores shows de sua carreira, afinal o investimento foi de R$ 3 milhões – um milhão a mais do que o show do Rock in Rio, que foi considerado o melhor de todo o evento. A cantora tocou funk, versões de voz e piano, R&B, pagode e até dançou um reggae.

A mistura de estilos também se fez presente na clara inspiração da cantora em artistas internacionais. Mas a melhor parte do seu show foi quando relembrou seus hits antigos ou cantou os famosos pagodes do <i>Numanice</i>, e se permitiu ser ela mesma, sem chapéus à lá Beyoncé ou brincadeiras com a câmera no estilo Rosalía.

Em grande momento do show, a cantora apareceu acompanhada de Lulu Santos. Juntos, cantaram <i>Toda Forma de Amor</i>, música de Lulu.

Lud terminou seu show com a energia que prometeu. Cantou hits antigos, dançou, interagiu com o público e desfilou bastante na passarela. A festa realmente tinha chegado. Ou melhor, a favela. <i>Favela Chegou</i> fechou o show da artista.

O show também teve uma gafe: Ludmilla indicou agiotas aos fãs, se corrigiu e exaltou banco patrocinador.

A cantora deu declaração cômica no palco – que a internet (e possivelmente a produção) percebeu imediatamente. A artista se referia ao navio Numanice, nova iniciativa para promover seu projeto de pagode, quando deu uma sugestão curiosa para que fãs bancassem os ingressos.

Segundo ela, uma opção seria "pedir dinheiro para agiota, para ir pagando daqui até lá, gente", brincou.

Mais tarde, já com outro figurino, a cantora se corrigiu. "Sobre o Numanice, já sei. Um lugar melhor para vocês pegarem dinheiro é no Itaú, tá?". A sugestão específica de banco não foi à toa: além do Itaú ser um dos patrocinadores do festival, o banco tem parceria comercial firmada com Lud.

<b>Maria Rita faz show corajoso e reúne samba e jazz</b>

A cantora Maria Rita, que abriu a programação do terceiro dia do The Town , decidiu que iria se dedicar ao samba. No show que apresentou no The Town, Maria Rita quis mostrar aos dois tipos de público que não se afastou do samba e nem do jazz. E que a divisão é besteira.

Teve coragem e – finalmente – alterou o repertório que tem apresentado desde 2018.

"Há uma mania horrorosa, me desculpa a arrogância, de colocar o jazz como elemento da alta cultura. Uma cafonice sem tamanho! E o samba, para alguns, é sambinha, cervejinha no fim de semana . Não é!", diz a cantora, enfática.

No ano em que completa 20 anos de carreira fonográfica, Maria Rita ainda tem pela frente o desafio de agradar esse ou aquele público. O caminho pode estar no meio, assim como ela fez no The Town.

<b>Ivan Lins na praça </b>

Mais cedo, em dia que começou com jazz e samba, um show notável em palco menor: o cantor e compositor Ivan Lins se apresentou no palco São Paulo Square, dedicado ao gênero.

Em show de sucessos, Ivan, cuja música sempre bebeu do jazz, mostrou a mistura dele com samba e até com o baião, caso de <i>Lua Soberana</i>.

Considerando que Ivan fez sei show no mesmo horário do que Joss Stone, a plateia em frente ao palco era bastante considerável – e cantou junto com ele. Acompanhado de banda, Ivan foi correto. Valeu pelo clima.

<b>The Town engatou?</b>

Depois de um fim de semana cheio de shows incríveis, mas carregados com problemas de logística, o The Town parece ter aprendido sua lição. Claro que ainda é cedo para falar de filas das comidas, brindes e até abastecimento suficiente desses insumos para todos os visitantes. Mas na entrada até o portão, a mudança era clara.

Wesley Santiago, analista administrativo de 30 anos, que chegou às 15 horas na semana passada, só conseguiu entrar no festival às 17h30. "Hoje foi questão de meia hora até chegar ao portão. Vou assistir Ludmilla com tranquilidade", diz ele.

Mas o susto da primeira experiência o fez pedir por um carro de aplicativo ao invés do transporte público. "Vim na semana de metrô e trem e estava muito complicado. Não quis correr riscos. Valeu a pena ter pagado mais", conta ele.

Para adiantar a entrada, os portões abriram 30 minutos mais cedo do que o esperado, às 13h30. Assim, apesar da grande quantidade de pessoas, a fila fluía rapidamente até a entrada.

Ainda havia os "fura-fila", que ofereciam entrada mais rápida por um "precinho camarada" (a reportagem perguntou o valor, mas eles não quiseram responder), e também as próprias pessoas que, ou por falta de auxílio ou por sacanagem, entravam na frente daqueles que esperavam sua vez de entrar.

"Não tem comparação com semana passada", garantiu o desenvolvedor Caio de Lima, de 25 anos. "Senti que hoje teve mais organização e andou bem mais rápido. Atrasou tanto que a gente perdeu o show do Mc Hariel", diz.

Quem decidiu arriscar e veio de expresso, se surpreendeu. "Foi uma experiência muito boa. Fiquei com medo dos relatos que vi da semana passada e vim mais cedo. Meu objetivo é assistir Maroon 5 mesmo", confessou Erly Lobo, 53 anos.

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