O aperto no bolso do consumidor, por causa da inflação de dois dígitos, da queda na renda, do desemprego ainda elevado e da redução do auxílio emergencial, levou um contingente maior de brasileiros que tinha conseguido sair da lista do calote em 2020 a voltar à inadimplência em 2021.
No ano passado, 64,3% dos inadimplentes que renegociaram dívidas em 2020 deixaram de pagar os compromissos em dia, ao menos uma vez, e ficaram novamente inadimplentes, revela uma pesquisa nacional da Boa Vista, empresa especializada em análise de crédito, obtida pelo <b>Estadão</b>.
O levantamento considera as pessoas físicas que ficaram inadimplentes por falta de pagamento de qualquer tipo de conta (água, luz, condomínio, mensalidade escolar, por exemplo) informada pelo credor ao birô e inclui não apenas dívidas contraídas com o sistema financeiro.
Esse indicador, batizado de índice de "reinadimplência", ficou em 51,8% em 2019 e em 53,1% em 2020. Apesar de a série atual do índice começar em 2019, o economista da Boa Vista responsável pelo estudo, Flávio Calife, ressalta que historicamente, pelas características do mercado brasileiro de crédito, a reinadimplência sempre oscilou ao redor de 40% e 50%. "Em 2021, a reinadimplência deu um solavanco, saindo do padrão de 50% e indo para mais de 60%", diz.
Calife atribui esse salto à oscilação da renda do consumidor em 2021. No ano passado, houve uma queda no valor do auxílio emergencial, que foi reduzido à metade na comparação com 2020. Além disso, o desemprego continua elevado, apesar do recuo, e a abertura de novas vagas tem sido puxada pelo emprego informal, com remuneração menor.
Isso sem falar na inflação, que fechou 2021 com alta de 10,06%, a maior desde 2015 de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, e forte aumento em itens básicos. A inflação pressionada corroeu o poder de compra da população e foi mais um fator que contribuiu para o seu retorno à inadimplência.
<b>Tendências de alta</b>
A advogada Luciana Vitale Ferraz de Carvalho, de 54 anos, engrossou as estatísticas dos reinadimplentes. Em 2020, ela tinha renegociado a dívida da anuidade da Ordem dos Advogados do Brasil de 2019, de um pouco mais de R$ 1 mil. Entrou 2021 devendo a última das dez parcelas renegociadas, não conseguiu pagar as mensalidades do ano e voltou a ficar inadimplente. "Achava que ia colocar a casa em ordem, mas voltou tudo de novo. Dívida tira o sono da gente", diz ela.
O motivo que a impediu de honrar os compromissos foi a queda no poder de compra da sua renda, corroída pela disparada da inflação de itens básicos, como alimentos e energia.
Na semana passada, a advogada voltou à mesa de renegociação com a entidade de classe. A dívida de cerca de R$ 1,6 mil em atraso foi dividida em cinco vezes. Mas Luciana pleiteava um parcelamento maior. "Comecei 2022 com uma dívida de 2021 e a perspectiva é de que não vou conseguir cumprir, precisava de um prazo mais longo", argumenta.
O aumento da parcela dos reinadimplentes em 2021 é mais um fator que reforça a tendência de avanço da inadimplência do consumidor para 2022, diante um cenário macroeconômico adverso, com juros em alta e atividade fraca.
No entanto, o indicador anual de registro de inadimplentes da Boa Vista, que mede a quantidade de dívidas em atraso, fechou 2021 com queda de 4,3% ante 2020 e o índice de renegociação dos créditos não pagos em dia teve alta de 2,9% no mesmo período. Os dois resultados anuais podem dar a impressão de que o cenário é favorável à redução do calote. Mas o desempenho mensal revela outra realidade.
Em dezembro, o registro de inadimplência da Boa Vista subiu 5% ante o mês anterior, descontada a sazonalidade. Foi a décima alta seguida.
Flávio Calife, economista da Boa Vista, diz que houve uma forte queda da inadimplência em 2020. Mas o indicador acumulado em 12 meses tem subido mês a mês desde o ano passado. Em março de 2021, caía 21,4% e fechou o ano e com recuo de 4,3%. A perspectiva é de alta da inadimplência.
<b>Campanha</b>
Atento a esse movimento, o banco Santander, acaba de iniciar uma campanha para renegociar dívidas em atraso e ofertar mais crédito. As mais de 3 mil agências abriram no sábado para renegociar com os inadimplentes de forma direta, sob o mote da campanha "desendivida".
Vanessa Lobato, vice-presidente executiva de Varejo do Santander, não revela os números da inadimplência, mas admite que a situação está mais difícil. Ela argumenta que são dois anos de pandemia com inflação alta e um período sazonal de início de ano, com despesas de impostos, matrícula escolar. "É uma combinação que deixa o cenário mais difícil para manter as contas em dia, independente de ser um dívida nova ou renegociada."
A inadimplência bancária medida pelo Banco Central (BC), que considera as cifras em atraso, fechou novembro em 4,3% para pessoas físicas. É um resultado menor do que antes da pandemia, de 5,1% em fevereiro de 2020. Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban, diz que há expectativa de um certo aumento da inadimplência por conta do cenário de um crescimento menor, mas não é algo explosivo. "Não temos uma expectativa de deterioração significativa dos níveis de inadimplência." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>