Provavelmente, você nunca ouviu falar de Mary Anning. Nascida na Inglaterra em 1799, ela foi uma das maiores paleontólogas da história. Mas nascida mulher, de classe trabalhadora e pobre, seus feitos foram apagados. Em alguns casos, literalmente, com homens comprando fósseis descobertos por ela por pouco dinheiro e tomando o crédito para si. Então foi por acaso que o diretor Francis Lee (Reino de Deus) topou com ela. "Eu estava procurando um presente. Queria uma pedra ou um fóssil", disse o cineasta em entrevista ao <b>Estadão</b>. "E o nome de Mary Anning aparecia toda hora na minha pesquisa."
Foi assim que nasceu Amonite, que criou um certo barulho pela interpretação primorosa de Kate Winslet, mas acabou se perdendo no caminho para o Oscar. O filme chega nesta quarta, 2, ao Brasil para aluguel e compra em plataformas como Now e Apple TV. "Fiquei imediatamente atraído por ser essa mulher da classe operária, pobre, com pouco acesso à educação, que por meio de seu talento, conhecimento autodidata, determinação e uma vontade de sobreviver, tornou-se uma das maiores paleontólogas de sua geração", disse Lee. "E, claro, tudo isso numa sociedade extremamente patriarcal."
O diretor viu em Mary Anning paralelos com sua própria vida. "Eu também vim de uma família da classe trabalhadora do norte da Inglaterra, não tive uma grande educação. Sempre soube que queria escrever e talvez dirigir, mas não sabia se era possível. Olhava para a indústria cinematográfica e via gente de classe média, educada, privilegiada."
Sua intenção não era fazer uma biografia clássica, mas sim um retrato de sua vida, da qual se sabia pouco. "Ela era uma voz escondida", disse Lee. "Queria fazer tudo para exaltá-la, respeitá-la, dar a ela um pouco do status que deveria ter tido quando era viva." Havia a informação de que Anning jamais se casou ou mesmo teve um relacionamento com um homem. E evidências de que ela tinha tido muitas amizades com mulheres.
Francis Lee imaginou que Mary Anning teria tido relacionamentos amorosos e sexuais com outras mulheres. Especialmente com Charlotte, interpretada por Saoirse Ronan, uma mulher casada que realmente ficou na casa de Mary e trabalhou com ela. O diretor recebeu críticas por ter criado o romance. "A verdade é que, com figuras históricas, a não ser que houvesse provas irrefutáveis de homossexualidade, os historiadores assumiam que a pessoa era heterossexual. Mas isso é um preconceito."
Para Kate Winslet e Saoirse Ronan, foi uma honra fazer um filme de temática LGBTQ. "Espero que vejamos mais produções assim", disse Winslet em entrevista com participação do <b>Estadão</b>. "É uma história de amor feminina. De amor do mesmo sexo. Ela tem essa conexão com outra mulher por causa do trabalho. É uma história importante de compartilhar."
O relacionamento entre as duas é ditado pelas normas da época, mas as cenas de sexo foram ditadas pelas duas atrizes. "Elas não estavam muito estabelecidas no roteiro, e Francis nos deu espaço para tomar as rédeas da coreografia", disse Ronan. Para Winslet, a experiência fez com que repensasse todas as cenas íntimas que fez no passado. "Fiquei me questionando se tinha caído nas armadilhas e nos estereótipos."
Isso já rendeu frutos em trabalhos posteriores, como Mare of Easttown, a série da HBO que terminou no domingo. Uma cena de sexo entre Mare e Richard (Guy Pearce) foi regravada a pedido da atriz. "Mudamos tudo, e ficou muito melhor. Porque era o certo para a história e para minha personagem." Na cena em questão, os dois iam para a cama no quarto dele. E Winslet pensou: Mare jamais iria ao quarto de um estranho. A cena foi transferida para a sala, e Mare, transformada numa participante tão ativa quanto Richard. "Aprendi muito. Todos estamos aprendendo, porque queremos viver num lugar de mais inclusão, compaixão e equidade. É uma época interessante e um privilégio poder contribuir de alguma forma."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>