A Espanha abriu nesta quinta-feira, 13, um novo capítulo em seu esforço para cicatrizar as feridas da guerra civil, de 1936 a 1939, e da ditadura que governou o país até 1975. Por 172 votos a favor, 2 contra e 164 abstenções, o Parlamento aprovou o decreto proposto pelo primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez, para a exumação dos restos mortais do ditador Francisco Franco, hoje homenageado em um mausoléu no Vale dos Caídos.
O objetivo de Sánchez é retirar as honras atribuídas ao ditador, em respeito à memória das vítimas da ditadura espanhola, uma das mais longas da Europa no século 20. O decreto foi aprovado porque os deputados do Partido Popular (PP) e do Ciudadanos, ambos conservadores, se abstiveram.
A iniciativa prevê a transformação do Vale dos Caídos em centro de memória às vítimas da guerra civil. O prédio, a 55 quilômetros de Madri, havia sido construído por Franco, em parte com o trabalho de prisioneiros de guerra republicanos, para servir como memorial de “conciliação nacional”. No local, estão sepultados 27 mil corpos de soldados franquistas e outros 10 mil republicanos.
Desde que foi transformado em mausoléu de Franco, porém, o local não unia os espanhóis, e sim reavivava as feridas da guerra civil e da ditadura. Ao longo de décadas, partidários do regime fascista transformaram a cripta em um local de peregrinação política. Opositores ao regime e à monarquia, por outro lado, consideravam o mausoléu uma ofensa à memória dos que morreram pela democratização.
Nesta quinta-feira, 43 anos após a morte do ditador, a parte da opinião pública contrária ao culto da imagem de Franco venceu no Parlamento. Embora deputados do PP e do Ciudadanos tenham acusado Sánchez de reabrir as feridas da guerra civil, a iniciativa acabou vencendo. “Justiça. Memória. Dignidade”, disse Sánchez em seu primeiro pronunciamento após a decisão. “Hoje, nossa democracia é melhor.”
Até o final do ano, a ossada de Franco será retirada, assim como a placa na qual se lê seu nome, sobre a qual flores são depositadas todos os dias por simpatizantes. Partidários da ditadura ainda fazem a saudação nazista no local. “Não haverá nem respeito, nem honra, nem concórdia enquanto os restos de Franco estiverem no mesmo lugar que os das vítimas”, disse Carmem Calvo, número 2 do governo.
A Fundação Franco, formada por admiradores do ditador e por seus descendentes, anunciou que, expirados todos os recursos legais, providenciará um novo local para o sepultamento da ossada, o que deve criar um novo ponto de referência para os partidários do ditador.
Para o historiador Ángel Viñas, autor de livros como La otra cara del Caudillo e El primer asesinato de Franco, a exumação deve acontecer, entre outros motivos, porque o Vale dos Caídos é um local de culto às vítimas. “Franco não foi uma vítima da guerra civil, que ajudou a provocar”, diz o escritor, que não entrou em considerações “emocionais, psicológicas e políticas” sobre o tema.
Essas questões, no entanto, ainda fazem parte do dia a dia dos espanhóis, em especial das gerações mais antigas. Desde a morte de Franco, a Espanha passou por um processo de democratização considerado “consensual” – ou seja, sem revolução ou golpes de Estado.
Democracia
Depois de sua morte, em 1975, uma lei prevendo anistia às autoridades franquistas foi aprovada, em 1977. Uma nova Constituição democrática foi promulgada, em 1978, e uma tentativa de golpe de Estado, em 1981, acabou fracassando.
Por outro lado, muitos segmentos da opinião pública ligados a partidos de centro-esquerda e de esquerda ainda travam uma luta pelo reconhecimento dos crimes cometidos pelo Estado na ditadura fascista. Famílias de vítimas, por exemplo, acusam as autoridades espanholas de omissão na identificação de valas comuns nas quais os republicanos que lutaram contra Franco teriam sido enterrados.
Para Carme Molinero, historiadora da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), a própria presença da ossada de Franco no cemitério público era uma prova da falta de neutralidade do Estado em relação aos dois lados do conflito.
“Franco está enterrado em um edifício que é patrimônio do Estado, em um símbolo de homenagem e de reconhecimento, o que não deveria ser possível em uma democracia consolidada como a espanhola”, afirma. “É algo incompatível e injustificável.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.