Primeiro grande evento de tênis após a interrupção do circuito, o US Open vai enfrentar a partir desta segunda-feira diversos desafios. E o risco de contaminação por covid-19 será apenas mais um deles. Além de testar a sua "bolha" em Nova York, o torneio americano tentará apresentar um bom campeonato mesmo sem contar com torcida e apesar das ausências de Roger Federer e Rafael Nadal. Será a primeira vez em 21 anos que os dois, considerados por muitos como os melhores da história, desfalcam juntos um Grand Slam.
O primeiro desafio do US Open será evitar contaminações por covid-19, algo que já aconteceu com um preparador físico de um tenista que disputou o Masters 1000 de Cincinnati, realizado neste ano no mesmo complexo do Grand Slam, em Nova York, na semana passada. A organização garante que foi um caso isolado.
O segundo será manter todos os atletas e suas equipes dentro da "bolha" sanitária criada em torno do hotel e do local de competição, algo que a NBA, por exemplo, não conseguiu antes do início dos playoffs, em Orlando. "Todo mundo está sendo testado a cada dois dias aqui, o controle é muito grande. Acho que estamos mais seguros aqui do que fora", conta o duplista brasileiro Bruno Soares, ao Estadão.
Outro desafio será manter as regras de distanciamento durante os jogos. Para tanto, a organização vetou os juízes de linha de quase todas as quadras, com exceção das duas principais. Nas demais, os árbitros de cadeira terão apoio do desafio eletrônico, que agora terá maior abrangência.
Mas a ausência dos juízes de linha não devem ter tanto impacto na vida dos tenistas quanto a ausência de torcedores nas grandes arquibancadas do complexo Billie Jean King National Tennis Center. "Jogar sem torcida é muito mais sem graça. A parte mais legal de ser atleta é jogar numa quadra lotada, com a torcida participando, vibrando. Ainda mais a gente por ser brasileiro que sempre sente o calor da torcida", comenta Soares, que terá a companhia dos compatriotas Thiago Monteiro, Thiago Wild, Marcelo Melo e Marcelo Demoliner no Grand Slam americano.
Sem torcedores, o US Open pode dar margem para "zebras", na avaliação de Fernando Meligeni. "Os favoritos costumam ter torcida a favor. Agora eles estarão sozinhos em quadra. Acho que vai acabar nivelando por baixo, com mais zebras. Os novatos e os jogadores com ranking inferior não vão sentir a pressão de jogar numa quadra gigante", aponta o ex-número 25 do mundo.
Assistindo apenas pela TV, os fãs de tênis vão estranhar também baixas de peso nas chaves da competição, a começar por Federer e Nadal. A última vez que a dupla ficou fora de um torneio deste porte foi em 1999. Na época, o suíço caiu no qualifying e o espanhol tinha apenas 13 anos. Nadal não competirá por medo de uma possível contaminação enquanto Federer enfrentou problemas físicos e cirurgias neste ano e decidiu voltar apenas em 2021.
"Obviamente que Federer e Nadal fazem falta em qualquer evento, em qualquer momento. Agora no US Open eles seriam ainda mais importantes do que normalmente porque o torneio será disputado num momento difícil, com a bolha e sem um monte de tenista importante. Isso acaba botando o torneio à prova", comenta Meligeni.
As baixas são relevantes também na chave feminina. Nada menos que metade do Top 10 do ranking está fora, incluindo a australiana Ashleigh Barty e a romena Simona Halep, atuais números 1 e 2 do mundo, e a canadense Bianca Andreescu, atual campeã em Nova York. No masculino, ainda têm os desfalques dos irmãos Bob e Mike Bryan, cujas aposentadorias foram anunciadas na semana passada, e do argentino Juan Martín Del Potro e do japonês Kei Nishikori, ambos ex-finalistas da competição. Serena Williams deve concentrar as atenções na chave feminina e também como principal representante da casa.
A maior responsabilidade por tentar suprir estas baixas vai recair sobre os ombros de Novak Djokovic. Há anos tentando se equiparar à Federer e Nadal em termos de popularidade, o sérvio busca, de quebra, recuperar parte da credibilidade que perdeu ao longo da pandemia. O tenista causou polêmica com declarações sem fundamento científico sobre vacinas e por organizar um controverso torneio de exibição na Croácia e na Sérvia, que desrespeitou todas as regras de distanciamento social e deixou ao menos nove pessoas infectadas pelo novo coronavírus, entre tenistas e equipes, incluindo o próprio Djokovic e sua esposa.
FUTURO – O US Open deste ano também será um teste sobre como será o circuito após as futuras aposentadorias de Federer e Nadal. Os dois evitam apontar datas para o fim de suas carreiras, mas no circuito é unanimidade que farão falta, principalmente nos Grand Slams.
"Vai ser difícil suprir a ausência deles no futuro. Novos ídolos sempre surgem. Vão acabar surgindo. Mas acho difícil acontecer por agora", avalia Marcelo Melo, ao Estadão. "Vai ser um baque muito grande quando a gente perder estes dois no futuro", concorda Soares. "Mas aprendemos ao longo dos anos que o tênis está sempre acima de qualquer pessoa. Claro que vai ter saudade deles. Mas o esporte sempre fala mais alto."
Meligeni avalia que nem Djokovic e nem a nova geração vão conseguir compensar a ausência da dupla neste momento. "Se a aposentadoria deles acontecesse hoje, teríamos um vácuo. O Djokovic não consegue trazer todo o público, o (Andy) Murray ainda está tentando voltar e a NextGen não empolga. Não falo de resultado, mas de popularidade e carisma. Nenhum dos novatos caiu nas graças do público."
O campeão pan-americano em 2003 acredita que a futura ausência do suíço e do espanhol diminuirá o impacto da modalidade nas mídias. "Vai diminuir a idolatria, aquele burburinho de rede social causado pela rixa Federer x Nadal, como um Fla-Flu. Hoje se elogia um, já vem crítica do outro lado. No caso dos mais novos, eu critico o (Dominic) Thiem, por exemplo, e ninguém reclama nada."