A dupla de pastores que capturou o gabinete do ministro da Educação, Milton Ribeiro, como revelou o <i>Estadão</i>, conseguiu emplacar um homem de confiança com acesso a dados privilegiados da pasta na Secretaria Executiva, o órgão que gerencia e administra a estrutura do ministério. O advogado Luciano de Freitas Musse, nomeado gerente de projetos em abril do ano passado pelo próprio ministro, atua como apoio aos religiosos que oferecem a prefeitos o serviço de agilizar repasses de verbas destinadas à construção de escolas.
Antes de ocupar o cargo no MEC, Musse acompanhava os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura em agendas no gabinete de Ribeiro. No dia 6 de janeiro de 2021, os registros oficiais mostram uma "visita de cortesia" de Arilton em que ele estava acompanhado pelo advogado. O solicitante do encontro foi o pastor. Em ao menos outras quatro agendas oficiais, a presença de Musse como integrante da comitiva dos pastores também é registrada.
A atuação de Musse é questionada por quem acompanha o setor. "Toda vez que a decisão sobre a alocação de recursos públicos cai nas mãos de pessoas inexperientes ou que não visam o bem comum, o mínimo que acontece é um risco ao dinheiro público. E, no limite, pode ser criminoso", disse o professor João Marcelo Borges, pesquisador da área de políticas educacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O pesquisador vê um enfraquecimento do Plano de Ações Articuladas (PAR), o sistema de planejamento da área da educação. "Quanto mais o MEC se afasta das regras do PAR, mais risco ele corre de acabar distribuindo recursos apenas por razões políticas."
Em uma série de reportagens, o <i>Estadão</i> revelou que os pastores não têm vínculos com a administração pública nem com o setor de ensino, mas têm acesso privilegiado à estrutura do ministério. Áudios e imagens revelados pelas reportagens mostram Ribeiro creditando aos dois a "instrumentalidade" da pasta.
<b>USURPAÇÃO</b>
Por meio de um gabinete paralelo, os pastores levam prefeitos para reuniões com o ministro e, dias depois, os pleitos são contemplados. O <i>Estadão</i> mostrou que ao menos R$ 9,7 milhões foram pagos ou empenhados após agendas solicitadas pelos religiosos da igreja Cristo para Todos, um ramo da Assembleia de Deus, com sede em Goiânia. Somente em termos de compromisso foram firmados R$ 160 milhões em dezembro por interferência direta dos pastores. Para advogados, a atuação dos pastores pode configurar crime de tráfico de influência e de usurpação de função pública.
Os pastores também já tiveram acesso ao Palácio do Planalto, sendo recebidos pelo menos duas vezes pelo presidente Jair Bolsonaro. As portas do governo foram abertas aos dois religiosos pelo deputado João Campos (Republicanos-GO), que é pastor da Assembleia de Deus Ministério Vila Nova, ligado à convenção de Madureira.
O prefeito de Jaupaci (GO), Laerte Dourado (Progressista), esteve no MEC em busca de um investimento de R$ 800 mil para a área da educação da cidade em duas oportunidades no ano passado. Ele disse à reportagem que chegou aos pastores por intermédio de "Luciano". "Acho que ele é de Goiânia, mas eles têm propriedade no meu município", disse Dourado.
<b> FACILIDADES </b>
O <i>Estadão</i> apurou que Musse repassa aos pastores informações sobre convênios travados sobre os quais eles possam se apresentar para resolver. Além de acesso a convênios, há informações sobre o andamento de liberação de recursos. Segundo um prefeito que pediu para não ser identificado, eles identificam "dificuldades" e os pastores apresentam "facilidades".
À reportagem, Musse negou que tenha sido indicado ao cargo por Gilmar e Arilton. O advogado admitiu que conhece os religiosos, mas desligou o telefone quando foi questionado sobre as agendas que teve no Ministério da Educação como integrante da comitiva da igreja Cristo para Todos. Não ligou mais de volta.
A Secretaria Executiva dos ministérios é a estrutura onde ficam a execução e o acompanhamento das políticas e as grandes iniciativas da pasta. O gerente de projetos, cargo em que os pastores emplacaram seu aliado, possui o portfólio dos principais trabalhos que o ministério toca e faz esse acompanhamento. "Ter um cargo assim é bom, é estratégico, importante", afirmou um técnico do ministério.
Uma das prefeituras que foram atendidas pelo MEC depois de agenda intermediada pelos pastores foi a de Guatapará (SP). O município, de 8 mil habitantes, recebeu, ano passado, R$ 214 mil do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra de ônibus escolares. O pedido estava represado desde junho de 2019, mas foi liberado depois que representantes da cidade estiveram no MEC acompanhados dos pastores, em 23 de dezembro de 2020 e em 27 de maio de 2021.
O secretário de Administração de Guatapará, Ailton Aparecido da Silva, é pastor e disse à reportagem que fundou uma filial da igreja Cristo para Todos, há três anos, na cidade. Afirmou que não é obrigado a fazer repasses financeiros para a matriz da entidade religiosa, cujo líder é Gilmar Santos. O nome do secretário consta de uma agenda na qual o Gilmar foi o solicitante.
<b>EXONERAÇÃO</b>
Na sexta-feira passada, quando o <i>Estadão</i> revelou a influência de pastores sobre a agenda e a liberação de verbas do Ministério da Educação, o ministro Milton Ribeiro exonerou um de seus assessores especiais. Odimar Barreto dos Santos é apontado como representante de interesses do gabinete paralelo formado por religiosos na estrutura da pasta.
A exoneração de Odimar Santos foi publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União. Além de major da reserva da Polícia Militar de São Paulo, ele atua como pastor da Igreja Presbiteriana Jardim de Oração, em Santos (SP), da qual faz parte o ministro Milton Ribeiro. Dentro do MEC, Odimar era apontado como um dos responsáveis por fazer a interlocução com os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
Desde que a dupla de religiosos passou a intermediar o acesso de prefeitos à pasta e ao ministro da Educação, no começo do ano passado, Odimar era presença constante nas reuniões promovidas pelos pastores.
Nos registros oficiais do MEC, o então assessor aparece em boa parte das reuniões nas quais Gilmar Santos e Arilton Moura estiveram presentes, sendo várias delas com Milton Ribeiro. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>