A questão de gênero sexual (seja de modo explícito ou velado na composição, na interpretação ou na atitude) é um dos pontos menos esclarecidos em análises críticas ou acadêmicas sobre a canção brasileira. Esse é um dos tópicos mais relevantes que Renato Gonçalves, mestre em Filosofia e graduado em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo, explora no livro Nós Duas – As Representações LGBT na Canção Brasileira.
O livro será oficialmente lançado nesta quinta, 6, com participação do autor, da cantora e compositora Marina Lima e do professor Ferdinando Martins num debate aberto ao público, a partir das 19 horas, na Casa de Cultura Japonesa (Av. Prof. Lineu Prestes, 159, Cidade Universitária). Nos próximos sábados, dias 8 e 15, às 14 h, Gonçalves realiza oficinas sobre o tema no Museu da Diversidade Sexual (R. Conselheiro Ramalho, 538, tel. 3882-8080). O livro não será vendido, mas distribuído para ONGs e bibliotecas, além de ter o download grátis disponível no site http://www.nosduaslgbt.com.br.
A onda de artistas e bandas surgidas nos últimos anos – como Liniker, Johnny Hooker, Jaloo, As Bahias e a Cozinha Mineira, Verônica Decide Morrer, entre outros -, que expõem a sexualidade a romper padrões com as múltiplas identidades de gênero como componente indissociável da música, de forma libertária, é uma novidade patente para um determinado público jovem que se identifica com seus ídolos, como reconhece o autor. “Esses artistas da nova geração são reflexos do fluxo de discussão sobre gênero que se abriu de uns dez anos para cá”, diz Gonçalves.
As conquistas dentro do universo da canção, no entanto, vêm de longa data – e esse panorama histórico, traçado desde a esquecida cantora e compositora Tuca (1944-1978) e o choque da androginia dos Secos & Molhados, até uma gravação recente de Elza Soares, é o foco da análise de Gonçalves, à luz da sociologia, da filosofia, da antropologia e da psicanálise. Como ressalta o musicólogo Walter Garcia na introdução de Nós Duas, “canções populares-comerciais estão de tal modo presentes no dia a dia das culturas brasileiras que é não é fácil trabalhá-las de forma crítica”.
Gonçalves faz uso da música como produto de consumo para refletir sobre o comportamento em torno dela. “Partindo das canções, procurei, como venho fazendo nas outras atividades acadêmicas, discutir assuntos históricos e sociais, que estão na canção, mas não se limitam a ela. É como um retrato da trajetória da questão do Brasil”, afirma o autor.
O livro não é um glossário de composições sobre o tema, nem se presta a alimentar a mídia sensacionalista, tão ávida por “entregar” quem não segue a linha heteronormativa (expressão bastante usada pelo autor). Gonçalves se concentra em 30 canções pontuais – entre elas, Mesmo Que Seja Eu (Erasmo Carlos/Roberto Carlos), Rubens (Mario Manga), De Pés no Chão (Rita Lee), Homem (Caetano Veloso) e Geni e o Zepelim (Chico Buarque) – para compor um panorama histórico, dividido em blocos temáticos como a canção e a representação dela, a censura e a linguagem, a fantasia e a realidade, o público e o privado no show biz.
Como autora e intérprete, Marina Lima é uma das mais citadas por ele, que se concentrou num período da “canção popular-comercial” a partir da década de 1970. O título Nós Duas foi inspirado nas letras de duas canções, Bárbara (Chico Buarque/Ruy Guerra), que foi censurada em 1973, e em Lizete (Kiko Dinucci/Jonathan Silva), gravada por Ná Ozzetti em 2013.
O assunto não se esgota nas páginas do livro, tanto que Gonçalves segue com outro projeto nessa linha, um estudo comparativo entre a década de 1990 (com foco em Adriana Calcanhotto, Cássia Eller e Zélia Duncan) e o movimento atual. “São dois paradigmas muito diferentes de circulação, produção e consumo de música desse gênero”, acrescenta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.