Estadão

Nostalgia move multidões e ídolos recentes voltam à cena

Não é segredo que uma intensa onda de reuniões de grupos musicais tomou conta do mercado dessa área no Brasil nos últimos tempos. Com capacidade de movimentar uma multidão de fãs e esgotar shows em poucos minutos, grupos como Restart e NX Zero causam uma comoção naqueles que querem relembrar períodos felizes.

Também não é segredo o nome que se dá ao sentimento por trás de tamanha comoção: nostalgia, uma sensação de saudade dos tempos que já não existem mais. Não é de hoje que reuniões, playlists e músicas que evocam essa emoção fazem sucesso entre pessoas que viveram – ou até as que não viveram – uma determinada época.

O que chama a atenção em anúncios feitos nos últimos anos é que neles estão bandas que fizeram sucesso na última década – um passado não tão distante assim. No caso do Restart, o período do auge e das calças coloridas foi vivenciado há pouco mais de 10 anos. Já o NX Zero anunciou um hiato há apenas seis anos.

<b>ALÉM DA MÚSICA</b>

A volta de tendências cada vez mais recentes ultrapassa o mercado musical e chega, hoje em dia, muito bem exposta ao mercado da moda. Em plataformas populares, como o TikTok, não é difícil deparar com a estética Y2K, nome dado ao resgate de elementos como calças de cintura baixa, tão populares nos anos 2000, e músicas já "velhas", mas evocando realidades não tão distantes.

Há uma demanda considerável do público por bandas ou músicos que estimulam esse sentimento de nostalgia. É o que conta Alexandre Faria, vice-presidente da Live Nation Brasil, produtora que já esteve à frente da turnê da dupla Sandy e Junior e, atualmente, organiza os oito shows do grupo mexicano RBD no País.

Segundo ele, há um monitoramento dos nomes que despertam o maior interesse dos fãs, seja de artistas que estão na ativa ou daqueles que viviam um hiato. Um possível retorno pode partir tanto da vontade do artista quanto de uma demanda da produtora.

O tempo para que uma turnê desse calibre seja organizada envolve muitas variáveis, podendo nascer em poucos meses ou ultrapassar um ano. Caso o grupo ou músico planeje lançar músicas novas, o "tempo de gestação" é maior.

<b>PASSADO</b>

Alexandre, porém, concorda que relembrar o passado é o que une o público por trás de tamanha demanda. "Tem tudo a ver com nostalgia. Música e shows ao vivo têm um lugar cativo nas emoções das pessoas", comenta.

Um prazo de validade tão curto para sucessos musicais não é uma novidade para a indústria do entretenimento. Simone Pereira de Sá, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora de mídia, música e mercado musical, explica que o fato é associado à forma como foi construído o mercado pop e remonta à explosão dos Beatles nos anos 1960.

"A temporalidade desse mercado é bastante acelerada. Um sucesso de 10 anos, para a música pop, já é classificado como antigo", diz ela, que compara essa indústria com a da música erudita, na qual o sentimento de nostalgia não é evocado. "A gente não fala de nostalgia para alguém que está ouvindo Beethoven ou Bach, porque não se supõe que esse gênero precise de novos sucessos." Segundo a pesquisadora, vários fenômenos explicam o grande interesse do público por atrações musicais que despertem esse sentimento. O primeiro se associa à capacidade da música de acionar memórias.

Para Simone, a preferência por determinadas canções não está necessariamente associada à qualidade desses sucessos, mas sim às lembranças que nos invadem com certas sequências de acordes. O mercado tem consciência do poder desse sentimento e usa isso a seu favor. Outro elemento, porém, não deve ser ignorado ao se pensar na rapidez com que os ingressos se esgotam: a fidelidade dos fãs. Simone cita um exemplo pessoal: a banda Titãs, que ela acompanha desde a adolescência e que, recentemente, fez shows da turnê Encontro com sete integrantes originais.

"Eu não vou aos shows porque eles me fazem lembrar os meus 15 anos, mas porque continuo achando que é uma ótima banda e quero ver o que eles estão fazendo hoje", comenta a professora. Segundo ela, o pós-pandemia e a necessidade de shows ao vivo contribuem para o esgotamento rápido de entradas para apresentações.

<b>VONTADE DE CRIAR</b>

O interesse das bandas em fazer apresentações vai além de motivos financeiros, acredita Simone: os músicos também querem mostrar ao público o que têm produzido. "No caso do Restart, são jovens músicos que fundaram a banda naquele primeiro momento e depois partiram para outras direções. Agora, eles se reencontram, por um lado, explorando essa onda de nostalgia e, por outro, também querendo promover a produção artística atual."

Tal fidelidade, porém, não se limita apenas aos fãs que vivenciaram a época dos grupos. Um fenômeno impulsionado hoje pelas redes sociais faz com que bandas e artistas atraiam a atenção das novas gerações, como a chamada geração Z.

<b>PELA MODA</b>

A aceleração pelas redes começa pela moda. Para além da reunião de bandas mais recentes, o interesse de pessoas mais jovens também gira em torno de grupos cujo sucesso não vivenciaram. Não é difícil encontrar recortes de músicas do ABBA, Fleetwood Mac, de Billy Joel e de Rita Lee em plataformas como o TikTok.

Nessas redes sociais, as referências retrô, principalmente em relação a tendências de moda, vêm dos anos 2000. Maíra Zimmermann, historiadora e professora de moda na Faap, conta que, anteriormente, os ciclos da moda e o retorno de tendências duravam 20 anos – o tempo de uma geração.

Atualmente, as novas gerações ressignificam elementos de outras com esse olhar "nostálgico", como define ela. A circulação de imagens e símbolos dos anos 2000 contribui para haver um amplo entusiasmo desse público por elementos do início do século.

Maíra cita um fenômeno descrito em 2010 pelo jornalista inglês Simon Reynolds: a retromania, o vício em um passado cada vez mais recente. Esse movimento, porém, não é orgânico, conforme a professora. Ela aponta, no caso, para um problema que envolve tanto o interesse de jovens por esses elementos quanto o dos pais em fazer com que os filhos conheçam determinada época: a idealização do passado.

<b>ENDORFINAS</b>

Para a psicologia, a sensação de nostalgia envolve um leque de sentimentos e de outras questões. A professora Leila Salomão de La Plata Tardivo, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP USP), explica que a nostalgia pode vir acompanhada tanto de tristeza quanto de alegria, já que libera endorfinas.

Como exemplo, ela cita shows de ídolos como Paul McCartney e Roberto Carlos, que sempre atraem uma alta demanda do público. "Se a pessoa viveu aquilo, é um momento de retomar esse bem-estar", comenta.

O problema da nostalgia, para Leila, se apresenta quando a pessoa é impedida de viver o presente por essa idealização do passado. "O que não faz bem é ficar lá. Vai fazer mal se impedir alguém de seguir adiante, porque o único tempo a ser vivido é o presente", adverte.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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