Uma empresa com nove mil funcionários, três fábricas no País e duas nos Estados Unidos, além de receita na casa dos R$ 8 bilhões. Essa é a Embraer que sobrará quando a Boeing levar seus 80% da divisão de aviões comerciais, a joia da coroa da fabricante brasileira de aeronaves. A compra foi fechada há um ano e meio, mas ainda aguarda aval de órgãos reguladores do Brasil e da União Europeia.
A Embraer remanescente não se compara à atual, com receita de R$ 18 bilhões e valor de mercado de R$ 15 bilhões. Para continuar sem sua divisão comercial, motor da companhia, a fabricante terá de se reinventar.
Fontes do mercado admitem que a Embraer remanescente será menor, mas não são pessimistas com o futuro da companhia. As duas principais divisões da "nova Embraer" – a de jatos executivos e a de aviões militares -, que costumam apresentar resultados inconsistentes, acabam de colocar novos e eficientes produtos no mercado. A perspectiva é que a demanda por eles seja crescente.
No fim de 2019, o banco UBS passou, inclusive, a recomendar as ações da Embraer porque os braços de aviação executiva e militar da empresa haviam apresentado melhorias. Entre elas, citava o potencial de venda dos novos jatos executivos. Agora, após as ações subirem 10% e se aproximarem do valor que considera "justo", o banco mudou sua recomendação para neutra. O Bradesco, em relatório, afirmou que "a perspectiva para a aviação executiva e de defesa está melhorando".
<b>Futuro</b>
Como o negócio com a Boeing ainda não foi concluído – os entraves para serem superados estão nos órgãos reguladores da União Europeia -, os executivos da empresa relutam em detalhar os planos. Dão apenas algumas dicas. A área de serviços, como manutenção de aeronaves, deve crescer. O segmento de defesa vai avançar com o C-390 Millenium (cargueiro militar cujo projeto foi recém-concluído). E as novas tecnologias, como o carro voador, podem apontar o futuro da companhia.
Segundo o vice-presidente de operações da Embraer, Nelson Salgado, a ideia é que os três braços remanescentes (executiva, defesa e serviços) sejam responsáveis, cada um, por 30% da receita da nova empresa. Isso implica em uma expansão acelerada dos serviços, que hoje correspondem a 19%. "É uma área que tem muita possibilidade e não só nos nossos aviões."
Para avançar, a divisão considera a possibilidade de aquisições, principalmente de empresas que já tenham licença para fazer manutenção de aeronaves de outras marcas, segundo Johann Bordais, presidente da área de serviços e suporte.
O projeto de expansão dos serviços tem potencial, dizem fontes. Mesmo se fizesse apenas a manutenção de aviões Embraer, o mercado seria grande. Desde 2005, a companhia entrega cerca de cem jatos executivos por ano. Quanto mais antigos ficam esses aviões, maior a necessidade de reparos.
Na divisão de defesa, a aposta é que a joint venture criada entre Embraer e Boeing para vender o cargueiro C-390 Millenium, da qual a brasileira é controladora, impulsione a área. Segundo o Bradesco BBI, a parceria entre as empresas "pode ser transformacional". A possibilidade de, através da Boeing, compras serem financiadas pelo governo americano e a força de vendas da Boeing ampliam o potencial do C-390.
"A partir de 2022 ou 2023, quando a produção ganhar cadência, devemos ter um crescimento acelerado e a área militar deve se aproximar da executiva (em faturamento)", diz Salgado. Em 2018, a receita líquida da aviação executiva foi de R$ 4,2 bilhões, enquanto a de defesa ficou em R$ 2,2 bilhões.
A área de defesa será ainda essencial para manter a Embraer como desenvolvedora de tecnologia de ponta, dizem fontes. Encomendas de equipamentos militares feitas por governos já costumam ser o propulsor de novas tecnologias no setor aéreo, mas, sem a divisão comercial – que também cria demandas tecnológicas -, isso deve se tornar mais preponderante.
O próprio vice-presidente de engenharia da Embraer, Daniel Moczydlower, admite a dependência. "Hoje conseguimos balancear as apostas conforme um mercado está em alta e outro em baixa. À medida em que reduz a área comercial, o peso do governo como indutor da indústria aeronáutica se torna muito relevante", diz. A preocupação, porém, é que novos contingenciamentos do governo reduzam as encomendas feitas para a Embraer.
Dos trabalhos de pesquisa e desenvolvimento que já estão adiantados – e não dependem da área militar -, o do eVtol (aeronave elétrica que decola e pousa verticalmente, conhecida como carro voador) está entre os que melhor podem indicar o futuro da companhia. "É uma das avenidas de crescimento mais interessantes para a empresa. Acreditamos que podemos chegar antes que os concorrentes nisso", diz Salgado.
<b>Empecilhos</b>
Ao contrário dos analistas de mercado, funcionários da Embraer não estão tão empolgados com o futuro. Entre os que foram selecionados para permanecer na empresa brasileira, o principal motivo de apreensão é a possibilidade de que cortes de custos resultem em demissões. "Os jatos comerciais eram que davam lucro. Sem eles, vai ser preciso cortar custo", afirma um engenheiro.
Em relatório de dezembro, o Bradesco destacou justamente a intenção da empresa em se tornar mais eficiente: "A Embraer sinalizou que seu novo CEO, Francisco Gomes, e que Nelson Salgado, atual diretor financeiro e futuro diretor de operações, focarão em aumentar a eficiência do processo industrial".
Outra preocupação é com o fim do ciclo de grandes projetos tanto na área executiva como na de defesa. "Os principais projetos foram concluídos. Estamos com pouco trabalho ultimamente", diz outro engenheiro.
Já os funcionários que vão para a Boeing estão reticentes com os possíveis desdobramentos da crise da empresa. A companhia atravessa o pior período de sua história desde que dois aviões 737 MAX caíram, em outubro de 2018 e em março de 2019, matando 346 pessoas.
Há ainda uma tensão com a possibilidade de a Boeing transformar sua unidade brasileira em apenas uma planta de fabricação, sem valorizar os engenheiros e concentrando os desenvolvimentos nos EUA. Essa possibilidade, porém, é mais remota, segundo analistas, pois a americana está em um momento em que necessita profissionais para criar novos projetos.
A questão da crise decorrente das quedas do 737, no entanto, é vista como mais relevante. A Embraer não comenta o assunto e a Boeing afirma que não haverá impacto no Brasil. A situação da empresa americana, porém, se deteriora a cada dia enquanto não consegue a liberação dos aviões pelas autoridades americanas.
Por enquanto, nenhum analista considera que o acordo possa ser cancelado, mas alguns ponderam que vendas futuras de jatos comerciais da Embraer podem ser prejudicadas em um primeiro momento. Como a "nova Embraer" tem 20% de participação nessas vendas, acabaria afetada – e aí a brasileira teria de provar que suas divisões remanescentes são suficientes para levá-la adiante. Por outro lado, a Boeing precisa de um produto bom para vender, diz um executivo do setor. Pode ser a chance de o avião brasileiro ganhar mais popularidade e alavancar a Embraer remanescente. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>