Houve um tempo em que o crime na Colômbia era regido pelo mantra de Pablo Escobar: "dinheiro ou chumbo". Os chefões tinham nome e sobrenome, vestiam botas de crocodilo, cordões de ouro, circulavam em carros de luxo e carregavam uma pistola na cintura. Hoje, os velhos generais da droga estão mortos ou atrás das grades, e seus herdeiros operam nas sombras, longe do radar das autoridades. A quarta geração de narcos colombianos é tão discreta que é chamada de "Os Invisíveis".
A designação consta do último relatório do InSight Crime, grupo que monitora o crime organizado na América Latina. O termo "Invisíveis" é uma referência ao estilo de vida adotado pelos novos chefes do narcotráfico colombiano – o oposto da opulência da primeira geração, encarnada pelos cartéis de Medellín e de Cali, nos anos 80 e 90.
"A natureza da ameaça mudou. Os narcos aprenderam que a violência é contraproducente. Agora, eles preferem o anonimato e a corrupção", disse ao Estado Jeremy McDermott, diretor do InSight Crime. "A repressão se concentra na parte visível do narcotráfico, produção e contrabando. E não se dá atenção aos invisíveis de colarinho branco. São eles que concentram a maior parte do dinheiro."
Em linhas gerais, o que McDermott e outros especialistas defendem é que o crime organizado não se restringe ao jovem pobre que usa um fuzil para defender seu território. Acima da violência das ruas gravitam advogados, contadores, economistas e políticos, que são parte da mesma engrenagem. A visão mais ampla é fundamental para entender quem são os "Invisíveis".
"Há uma tendência a simplificar o que é crime organizado, dividindo os papéis entre mocinhos e bandidos", diz Steven Dudley, pesquisador do Wilson Center. "O crime beneficia muitas pessoas, muito além das que estão diretamente envolvidas."
Os "Invisíveis" são uma adaptação do crime organizado colombiano. Não são necessariamente uma novidade, já que operam há anos no mercado de drogas e só conseguiram sobreviver graças à regra de ouro da discrição. Alguns até contam com seguranças, mas a maioria prefere se proteger sob as asas de contadores e advogados.
Segundo McDermott, os "Invisíveis" posam de empresários de sucesso, são mestres na arte de lavar dinheiro e nem sequer tocam na cocaína. Em vez de armas automáticas, usam um celular criptografado para estabelecer contato com os intermediários que movem a droga da fase de produção até o transporte. A existência de uma nova linhagem de narcotraficantes só é conhecida porque alguns poucos caíram nas redes da lei.
Luis Caicedo Velandia, o "Don Lucho", era conhecido na Argentina como Carlos Castañeda, empresário que vivia em Buenos Aires com um passaporte falso da Guatemala. Desde 2007, ele vinha sendo monitorado pela DEA (agência antidrogas dos EUA), mas era totalmente desconhecido da polícia argentina. Em abril de 2010, ele foi preso quando passeava no shopping Alto Palermo.
Um mês depois, Don Lucho foi extraditado para os EUA e indiciado por tráfico de drogas. De acordo com o processo arquivado no Tribunal do Distrito Sul de Nova York, ao qual o Estado teve acesso, ele foi delatado por seu contador, que revelou sua localização na Argentina.
Os americanos afirmam que Velandia traficava 45% da cocaína que entrava nos EUA e o acusaram de lavar US$ 5 bilhões entre 2005 e 2010. Don Lucho foi condenado a 10 anos de cadeia, se comprometeu a devolver ao Estado colombiano US$ 114 milhões e entregar rotas e os nomes de 246 colaboradores.
Outro narcotraficante que passou anos nas sombras foi José Bayron Piedrahita, que se fazia de pacato pecuarista da região de Cauca, na Colômbia. Nas primeiras horas do dia 29 de setembro de 2017, uma equipe de investigadores da procuradoria e soldados do Exército invadiram a fazenda La Contadora, no município de Caucasia, 280 quilômetros ao norte de Medellín.
Piedrahita havia passado 30 anos sem ser detectado pela Justiça. Em 1996, ele chegou a ser indiciado nos EUA por ligação com o cartel de Cali e teve um mandado de prisão emitido. No entanto, na Colômbia, permaneceu com a ficha limpa – provavelmente, subornando policiais e funcionários do governo.
Seu castelo começou a desmoronar em 2010, quando Piedrahita teve a ideia de limpar seu nome. O jeito que ele encontrou foi subornar o agente do Departamento de Segurança Interna dos EUA que cuidava do caso. Christopher Ciccione recebeu US$ 20 mil, um jantar em um restaurante fino de Bogotá e uma noitada com prostitutas no Hotel Marriott. Depois, foi flagrado alterando documentos. O agente foi indiciado, confessou o crime e foi condenado a 36 meses de cadeia.
Foi só em março de 2016, quando o Departamento do Tesouro dos EUA incluiu o nome de Piedrahita na lista de pessoas envolvidas com o narcotráfico, que ele entrou no radar das autoridades colombianas. Preso e extraditado para os EUA, foi condenado a 2 anos e 3 meses de prisão em setembro do ano passado.
Don Lucho e Piedrahita são dois casos conhecidos, mas há outros mistérios dentro do realismo mágico colombiano. Um deles fazia parte do Bloco Central Bolívar (BCB), grupo paramilitar que financiava suas operações com narcotráfico, contrabando de combustível e extorsão nos anos 2000.
Em março de 2003, eles aceitaram entregar as armas. A ata de desmobilização foi assinada por cinco líderes. Quatro estão presos: Carlos Jiménez, os irmãos Rodrigo e Guillermo Alzate, e Iván Roberto Duque. O quinto elemento, Sebastián Colmenares, desapareceu.
A partir de 2004, os documentos que ratificam a desmobilização do BCB já não têm mais sua assinatura. Em entrevistas, os quatro paramilitares reconhecem que ele era o operador do grupo, o homem que movia a cocaína, e teria sumido para continuar cuidando dos negócios.
A polícia suspeita que Colmenares seja um pseudônimo, o que é comum na luta armada. Após a desmobilização, alguns paramilitares e guerrilheiros admitiram ter assumido o nome de outra pessoa para confundir as autoridades. Neste caso, deu certo. A confusão foi tanta que nem a polícia, nem a DEA sabem quem ele é. Na Colômbia, ele virou mito e foi batizado de "Memo Fantasma", um narco sem nome ou ficha corrida.
<b>Nova geração se adapta</b>
Para entender a mutação dos mafiosos colombianos é preciso voltar à primeira geração de Pablo Escobar, o estereótipo do narcotraficante. Ambicioso, de família humilde, acumulou uma fortuna à base de cocaína. Tinha uma coleção de carrões, uma fazenda com 27 lagos e 3 zoológicos e uma cobertura de 1.700 metros quadrados em Medellín.
Escobar era violento – e nem um pouco discreto. Em 1984, ele ordenou o assassinato do ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, metralhado em seu Mercedes W123, no norte de Bogotá. Em 1989, ele explodiu no ar um Boeing 727 da Avianca, matando todos os 107 ocupantes – o alvo era o candidato a presidente César Gaviria, que não estava no voo.
Os maiores inimigos de Escobar eram os irmãos Orejuela – Gilberto e Miguel – e Pacho Herrera, que chefiavam o cartel de Cali. Eles ostentavam a fama de "cavalheiros". Preferiam subornar, em lugar de matar, mas empreenderam uma violenta guerra contra Medellín e montaram operações de "limpeza social", executando prostitutas, crianças de rua, ladrões e sem-teto.
Escobar foi morto em 1993 e o cartel de Cali acabou desmantelado em 1995 – os irmãos Orejuela e Pacho foram extraditados para os EUA. O narcotráfico, porém, não sentiu o golpe. Hernando Zuleta, do Centro de Estados sobre Segurança e Drogas (Cesed), da Universidade de Los Andes, de Bogotá, explica que a repressão apenas mudou a dinâmica do negócio da cocaína.
A segunda geração é marcada pela entrada da guerrilha e dos paramilitares na cena do crime organizado colombiano. O fim da Guerra Fria seca as fontes de financiamento e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) intensificam a busca de receitas no narcotráfico. Segundo estimativas do governo, a cocaína chegou a representar 70% do faturamento de algumas organizações – o restante vinha de sequestros e extorsões.
A partir de 2006, o governo de Álvaro Uribe desmantelou as AUC. Foi quando estourou o escândalo da "parapolítica", as ligações entre paramilitares, grupos de extermínio de extrema direita e políticos colombianos – mais de 60 congressistas foram condenados por crimes relacionados ao narcotráfico. Longe de resolver o problema, a repressão apenas fragmentou o negócio, mais uma vez.
Com a extradição dos líderes das AUC para os EUA, a partir de 2008, o vácuo de poder acabou preenchido pelo segundo escalão de bandidos paramilitares, que formaram a terceira geração de narcotraficantes, composta por cerca de 30 bandas criminais (conhecidas como "bacrim") – as duas mais violentas são os Urabeños e os Rastrojos.
Para McDermott, é neste momento que as operações mudam de caráter. "A terceira geração se tornou mais fragmentada e clandestina. Ela não controla mais um exército privado e se organiza em pequenas células", disse. "Parecem mais estruturas mafiosas do que grandes cartéis." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>