Uma macarronada quando tinha apenas 4 anos foi um dos últimos pratos que Vinícius Thimoteo Rodrigues, de 13 anos, experimentou antes de enfrentar uma jornada de cirurgias e lutas na Justiça para conseguir um transplante de intestino em um hospital de referência nos EUA. Após quase nove anos vivendo em um hospital, ele conseguiu fazer o procedimento em outubro e se prepara para, em até seis meses, voltar para o Brasil e iniciar uma vida nova.
Morador de Avaré, no interior paulista, o menino não apresentava nenhum sintoma após o nascimento e nos primeiros meses de vida. Aos 4 meses, tudo mudou.
"Ele ficou três dias e três noites sem dormir, sangrava e vomitava. Uma enfermeira, que era nossa vizinha, falou que ele precisava ser avaliado por um médico bom e foi a salvação. Ele foi encaminhado para Botucatu. Parte do intestino havia entrado no próprio intestino e necrosado. Na cirurgia, ele perdeu menos de 1 metro (do órgão)", diz a mãe, a funcionária pública Elisangela Aparecida de Paula Thimoteo, de 47 anos.
Entre os 4 e os 11 meses, ele precisava de internação hospitalar mensalmente, porque também tinha bronquite asmática. Os problemas intestinais persistiram até os 4 anos, mas ele ainda não tinha um diagnóstico. O médico suspeitava de verminose ou alergia a leite.
"Quando o intestino necrosou, o levei de novo para Botucatu numa quarta-feira e no sábado ele foi operado. Ele entrou com 28 kg e chegou a 14 kg. Teve infecção generalizada grave, sofreu choque séptico e fez três cirurgias em menos de uma semana", relembra a mãe.
Após os procedimentos, o duodeno (que faz parte do intestino delgado) de Vinícius ficou com apenas 6 centímetros, e o garoto passou a receber alimentação apenas pela veia. Ao longo da vida, ele passou por mais de dez cirurgias, três delas no joelho, quando tinha 8 anos. "Sem contar as trocas de cateter, que eram procedimentos cirúrgicos com anestesia geral, e as biópsias, que perdi a conta."
A funcionária pública descobriu que ele tinha nascido apenas com um vaso sanguíneo no órgão e ele era retorcido. A condição fez com que o intestino não recebesse irrigação.
Elisangela diz que ele ficou entre 2 e 4 meses em um hospital em Botucatu. Depois, foi para o Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFM-USP).
"Em São Paulo, cuidaram muito bem dele, mas não tinha doador nem tratamento. Se eu continuasse aqui, meu filho iria embora sem ter qualidade de vida. Muitos amiguinhos dele foram, Deus chamou. Eu demorei para tomar uma atitude para fazer o tratamento, porque ficava em função dele. Até que uma amiga me falou dos EUA."
Sem condições de pagar o tratamento no Hospital Jackson Memorial, em Miami, que é uma referência em transplantes multiviscerais em adultos e crianças, a mãe resolveu entrar na Justiça. Depois de idas e vindas, em 2018 0 caso chegou ao setor de conciliação da Justiça Federal e ficou definido que a União faria um depósito inicial e o pagamento de UTI aérea.
Com o depósito de US$ 1 milhão, Vinícius conseguiu viajar em março de 2019 para os EUA. Mas precisou se preparar para o procedimento. "Ele estava sem caminhar, sentia dor. Tinha hipotireoidismo", diz a mãe.
<b>Médico brasileiro</b>
O garoto ficou sob os cuidados da equipe do cirurgião Rodrigo Vianna, que é diretor do programa de transplante do Instituto de Transplantes de Miami, ligado ao hospital Jackson Memorial, e professor de cirurgia da Universidade de Miami. "No Brasil houve tentativas de começar transplantes de intestino e multivisceral, mas ainda não há êxito em pacientes pediátricos. Sou brasileiro e acabo tendo essa conexão com os pais das crianças, que ficam sabendo que o nosso sucesso é de quase 90%", diz Vianna.
Durante mais de um ano, o jovem fez sessões de fisioterapia para fortalecer a musculatura das pernas. Depois de três meses na fila, apareceu o doador. Foi feito o transplante dos intestinos grosso e delgado em um procedimento de cinco horas. Agora, Vinícius está no quarto, se recuperando, e passará por um processo para a retirada da nutrição parental para que possa aprender a comer e gostar de comida.
Vinícius ainda vai precisar de três a seis meses de reabilitação e acompanhamento para verificar se não há rejeição do órgão. Ao voltar, uma meta da funcionária pública é curtir a companhia do filho mais velho, Giovanni, de 15 anos, que ficou longe da mãe ao longo de tantos anos de tratamento do irmão.
"Ele está agora com a minha mãe, morou quatro anos com uma babá, passou um ano em Guarulhos com a prima de uma amiga, um ano com a minha cunhada. Cada hora em uma escola, cada vez com uma pessoa diferente." Agora, Elisangela quer mostrar o mundo ao filho mais novo. "Quero colocá-lo em uma escola – ele nunca frequentou, mas aprendeu a ler no hospital. E passear muito." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>