O semáforo fecha. Ao lado do vermelho, o número 90 demonstra que – por um minuto e meio – o mundo ficará parado à minha frente. Uma rápida consulta ao smartphone revela que há emails a serem lidos. Ali não é hora nem o lugar. Olho à minha volta e percebo que o espetáculo vai começar.
À frente, um garoto, bem mais novo que meu filho de nove anos, joga bolas para cima numa tentativa de me emocionar e angariar algumas moedas. De tão pequeno, parece até que não irá conseguir alcançar a janela do carro, onde passa segundos depois em busca de seu objetivo.
Antes dele, já haviam percorrido o mesmo espaço três entregadores de jornais e dois vendedores. Um tentava me empurrar uma fruta exótica que nem o nome eu sei. O outro palhetas para o limpador do parabrisa. Veja se isso é lugar para comprar um equipamento de segurança para o automóvel…, penso e – lógico – não falo.
Impressionante, mas o garoto – só mais um entre tantos que se enfileiram nos nossos semáforos da vida – não me comove. É incrível como, cada vez mais, nos demonstramos insensíveis com a miséria. Talvez ela já esteja incorporada na paisagem urbana. O número ao lado do vermelho exibe ainda 55, quando eu falo que não há moedas disponíveis, a tempo dele se exibir para o carro de trás.
O tempo parece parado enquanto tantos outros automóveis passam na transversal à minha frente. Desta vez, outro garotinho, tão pequeno como o primeiro, passa em uma pequena bicicleta raspando a lataria dos carros. Ágil, parece se divertir em meio ao trânsito, ignorando os riscos que pode correr.
Impossível não imaginar de onde saem tantas crianças. Em qualquer esquina, elas surgem aos montes. Vem a ideia de um exercício de bondade e contabilizar quantas moedas seriam necessárias para atender a todos os pedidos ao longo de um dia, talvez uma semana… Seria uma forma de transformar em números o tamanho de nossa miséria.
Antes do semáforo abrir, dá tempo de perceber que brutamontes – homens e mulheres – se escondem na esquina. Parece que eles têm o trabalho de guardar os metais angariados. Funcionam como caixas. 5, 4, 3, 2, 1. Vem o verde. A vida segue. Nossa dignidade fica para trás. Até o próximo farol fechado.
Ernesto Zanon
Jornalista, diretor de Redação do Grupo Mídia Guarulhos, escreve neste espaço na edição de sábado e domingo
No Twitter: @ZanonJr