O apagão de segunda-feira, 18, no centro da capital paulista, que deixou 38 mil moradores de bairros como Higienópolis, Santa Cecília e Vila Buarque sem luz, trouxe de volta os questionamentos sobre a qualidade do serviço prestado pela empresa e sinalizações de que poderia haver uma penalidade mais grave, como a caducidade da concessão. Contudo, para especialistas ouvidos pelo <i>Broadcast Energia</i>, uma ação como essa é pouco provável de acontecer, uma vez que a empresa vem cumprindo requisitos mínimos de qualidade no fornecimento e de equilíbrio econômico financeiro da concessão exigidos pelo regulador.
Na terça-feira, 19, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou ter convocado o presidente da distribuidora, Max Xavier, para uma reunião e disse que encaminhou ofício à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), pedindo a apuração dos fatos e a responsabilização da concessionária. Silveira também sugeriu que a empresa estaria demonstrando incapacidade de prestar serviços de qualidade à população. "É urgente a comprovação de que a empresa seja capaz de continuar atuando em suas concessões no Brasil", disse a nota do MME.
Na avaliação do sócio do escritório CGM Advogados, Alexei Vivan, embora seja possível que alguém faça o pedido de caducidade, não haveria base jurídica para que o processo avance ao ponto de perda da concessão. "Não há base do ponto de vista jurídico e regulatório para que um pedido desses seja aceito", disse o advogado, ao explicar que uma solicitação dessas acarretaria num processo administrativo no qual a empresa poderia apresentar suas razões e se defender. Uma caducidade sumária poderia provocar judicialização.
Vivan afirma também que mesmo numa hipótese mais remota de o pedido ser aceito, o governo ficaria com um problema que é licitar novamente a concessão e ter uma nova empresa atuando no local. Além disso, ele destaca que não vê uma relação direta entre os problemas enfrentados pela Enel e uma má gestão ou falta de investimentos. "Independentemente de quem opere concessão, vai operar da forma como consegue operar."
Opinião semelhante tem o advogado especializado no setor elétrico André Edelstein. Para ele, contudo, as tratativas entre Enel e governo podem evoluir para a construção de um plano de ação, com medidas concretas para melhorar a qualidade do serviço. "É uma possibilidade, mas a perda da concessão seria uma medida muito extrema. O que a gente viu em outras situações relacionadas à qualidade do serviço é a definição de planos de resultados", comentou, citando caso da Light.
Edelstein lembra que, para retirar a concessão de uma empresa, seria necessário ter uma justificativa para além da falta de energia em determinada localidade. "Não é automático assim. É um processo complexo, que tem medidas punitivas que antecedem a caducidade e um passo a passo que precisa ser seguido, entre elas abertura de processo administrativo para constatar falhas", comentou.
Ele destacou que hoje a Aneel tem inúmeros instrumentos administrativos e de fiscalização que costumam ter efeito para induzir as empresas a melhorarem sua atuação, entre eles o acompanhamento dos trabalhos, com advertências e penalidades.
De fato, a agência reguladora já aplicou multa nos últimos meses por falhas no fornecimento. No mês passado, multou em R$ 165,8 milhões a distribuidora pela atuação durante o apagão em novembro do ano passado que afetou o fornecimento do serviço de energia a milhões de consumidores na capital paulista e região metropolitana, após uma forte tempestade.
Um assessor jurídico no setor que falou na condição de anonimato lembrou que o governo federal sequer encaminhou o processo de caducidade da distribuidora Amazonas Energia, já recomendado pela Aneel diante das limitações operacionais e financeiras apresentadas pelo atual concessionário. "Se o MME não fez nada com a Amazonas, que tem condição muito mais grave, só posso crer que essa declaração do ministro Silveira seja um mecanismo de pressão", disse.
<b>Renovação das concessões</b>
Pressão política e sinalização de poder de controle também foram as palavras usadas por outros especialistas ouvidos pela reportagem. "Essa pressão política é bem complicada", disse um advogado especializado no setor.
Ele avaliou que isso pode dificultar o caminho do grupo italiano para renovar a concessão. No entanto, sugere que a troca de concessionário não é simples. "Achar um novo concessionária às pressas não será tão fácil, soluções populistas para assuntos complexos explodem no colo do consumidor", disse.
O grupo Enel possui três concessões de distribuição no País. A Enel Rio tem contrato que expira em dezembro de 2026, a concessão da Enel Ceará encerra em maio de 2028 e a Enel São Paulo tem contrato até junho de 2028.
O governo federal ainda não anunciou as diretrizes para a renovação dos contratos, mas sinaliza que exigirá mais investimentos e "endurecerá" os índices que medem a qualidade do serviço e os mecanismos de fiscalização.
<b>Apagões chegam ao 5º dia e Enel cita calor e consumo</b>
Ontem, São Paulo teve o quinto dia seguido com problemas de abastecimento de energia na área central. Comerciantes na região da 25 de Março, uma as principais de comércio popular no País, alegaram enfrentar falta de luz há uma semana. Na noite de anteontem, a esquina das Avenidas São João e Ipiranga, um ícone da capital, ficou sem luz, assim como os Edifícios Copan e Itália.
Na tarde desta sexta-feira, a Enel informou que restabeleceu "o fornecimento de energia elétrica para 97% dos moradores das regiões da República e Santa Cecília". Segundo a concessionária paulistana, cerca de 600 clientes continuavam sem energia após ocorrências em apuração na rede subterrânea do Município. A companhia disse que mobilizaria geradores para atender os consumidores que passariam mais uma noite sem luz.
Para a TV Cultura, a Enel apresentou nova justificativa para os apagões reincidentes. "No caso das regiões da 25 de Março e da Santa Cecília, a última ocorrência registrada foi agravada pelo excessivo consumo de energia associado às elevadas temperaturas, o que dificultou a recomposição das redes subterrâneas, deixando alguns grupos de clientes sem fornecimento."
Para o <b>Estadão</b>, a empresa disse que "lamenta os transtornos causados aos clientes e reitera que tem mobilizado todos os esforços e recursos para restaurar os parâmetros originais da rede afetada", disse. A empresa alega que o trabalho na rede subterrânea é bastante complexo, envolvendo condições de temperatura e espaços confinados para acesso – e novamente não deu previsão de restabelecimento definitivo.
<b>AUTORIDADES</b>
Pelo segundo dia consecutivo, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), fez críticas à empresa, que chamou de "irresponsável". Mas ressaltou estar de "mãos atadas". "Quem pode terminar essa concessão e aplicar as multas é a Aneel (agência reguladora independente)." O prefeito disse ainda que já entrou com duas ações judiciais contra a empresa e defendeu uma proposta de alteração na lei federal para que as prefeituras assumam a fiscalização. A Federação do Comércio (Fecomercio-SP) e o Sindicato do Comércio Varejista e Lojista (Sindilojas), por sua vez, exigiram que "a Enel resolva a situação urgentemente".