O petista Luiz Inácio Lula da Silva entregou no primeiro discurso como presidente empossado o que escondeu durante toda a campanha: as diretrizes econômicas do seu futuro governo. E o desenho proposto traz de volta uma visão mais desenvolvimentista, com maior participação do Estado como pilar da economia.
De largada, o presidente prometeu rever políticas mais liberais, como a reforma trabalhista e as privatizações de estatais, além de colocar por terra o que chamou de "estupidez" do teto de gastos – norma criada no governo do ex-presidente Michel Temer para limitar as despesas e garantir a sustentabilidade das contas públicas. O presidente não detalhou que tipo de controle vai colocar no lugar, mas seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que vai mandar ao Congresso uma nova regra ainda no início deste ano.
Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, os discursos foram na linha do que o presidente já vinha indicando. "A dificuldade é ter um ministro da Fazenda que dá sinais parecidos. Haddad não parece ser o freio fiscal que era (Antonio) Palocci em 2003", afirmou. "Foram indicações de mudanças na regra do teto e na reforma trabalhista que vão colocar preocupação sobre exatamente o que vai ser feito. O foco deveria ser um novo arcabouco fiscal e a reforma tributária, mas Lula fugiu desses temas."
Sobre a reforma trabalhista, Lula disse que quer uma nova legislação para "garantir a liberdade de empreender" ao lado da "proteção social". E que as novas regras serão discutidas entre governo, centrais sindicais e empresariais. Ele não detalhou as mudanças, mas deve enfrentar resistência do Congresso caso opte por mudar a base da reforma, de 2017 que deu mais liberdade nas negociações entre patrões e empregados com a redução drástica dos processos judiciais.
Durante a campanha, o vice-presidente Geraldo Alckmin tinha tentado tranquilizar os empresários ao dizer que um novo governo de Lula não iria rever o princípio do acordado sobre o legislado, nem propor a volta do imposto sindical. Ontem, porém, nada foi dito nesse sentido.
<b>Estatais</b>
Lula defendeu o controle pelo Estado de empresas estatais e de bancos públicos para preservar o "patrimônio nacional". "Os recursos do País foram rapinados para saciar a estupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas", disse. Nem uma palavra foi dita sobre a corrupção e falta de controle da ingerência política nessas companhias nos governos anteriores do PT, com grandes desvios de recursos públicos.
Como uma das primeiras medidas do novo governo, tirou Petrobras, Correios e Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) do processo de desestatização iniciado pelos ministros do governo Jair Bolsonaro.
O presidente empossado deu a entender que quer retomar a "reindustrialização" do País, ao criticar a importação de combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites. Segundo ele, cabe ao Estado ser o articulador para que a indústria brasileira chegue ao século 21. E isso seria feito com acesso a financiamento com "custos adequados", sugerindo a retomada de empréstimos com subsídios com altos custos para o caixa do Tesouro.
Na análise de Elena Landau – que foi economista da campanha da então candidata à Presidência Simone Tebet, agora ministra de Planejamento e Orçamento –, a questão da responsabilidade fiscal ainda é dúbia, pois é difícil conciliá-la às medidas anunciadas por Lula. "Dar aumento real ao salário mínimo e garantir a responsabilidade fiscal é complicado."
A economista, que foi diretora de desestatização do BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso, destacou que, ao contrário do que afirmou o presidente Lula, as estatais não estão sucateadas e o teto de gastos não impediu o governo de fazer política social durante a pandemia. "Não faltou dinheiro para a saúde nem para o social." (COLABOROU LUCIANA DYNIEWICZ)
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>