A implementação do processo eletrônico imporá ao sistema Justiça uma consistente reflexão para a profunda mudança de seus paradigmas. O universo do Judiciário é conservador e alicerçado sobre bases seculares. A própria nomenclatura está superada. Pense-se na denominação “escrevente”. A digitalização significa algo mais abrangente do que meramente escrever. O futuro imporá ao sistema Justiça recrutar analistas de sistema, criadores de software, pesquisadores, administradores da realidade virtual e outros quadros hoje inexistentes.
No momento, muitos funcionários já exercem atividades anômalas, antecipando-se às necessidades. Mas laboram no anacronismo do “desvio de função”, instituto superado diante das urgências contemporâneas. Exigimos quadros pessoais polivalentes, multivalentes, aptos a várias atribuições e depois queremos que cada qual permaneça no âmbito estrito de ultrapassado rol de tarefas.
É impositivo definir a necessidade do efetivo de pessoas, de maneira compatível com os objetivos estratégicos de cada Tribunal, afinados com as metas nacionais da Justiça e as características operacionais das unidades judiciárias. O tema foi abordado por Newton Meyer Fleury e outros especialistas da FGV Projetos, nos “Cadernos” de maio/junho de 2015 e merece a atenção dos responsáveis pelo planejamento da Justiça. Tudo precisa ser alterado, ante a irreversível opção pelo processo eletrônico. Assim a definição do perfil de competências dos funcionários, de maneira a orientar os programas de qualificação dos quadros pessoais e a nova formatação dos concursos públicos para o recrutamento de magistrados e funcionários.
O uso mais racional da força de trabalho, que é a grande destinatária dos orçamentos – em São Paulo mais de 90% das verbas do Tesouro são reservadas ao pagamento de pessoal – permitirá a adoção de padrões ótimos de eficiência. Com esse objetivo, o TJSP implementou a estratégia dos “Cartórios do Futuro”, que representam oficinas de trabalho voltadas a uma verdadeira linha de montagem e facilitam a multiplicação das tarefas, com economia de tempo e de pessoal. Além disso, estimula-se um estilo cooperativo de atuação, com atenuação do patrimonialismo reinante, resquício da cultura jurídica mais tradicional. O trabalho em equipe é potencialmente mais produtivo e eficaz. O funcionário sentir-se-á estimulado a um contínuo aprimoramento. A obtenção de resultados tangíveis evidenciará que a Justiça pode ser um serviço estatal atento à eficiência, princípio incidente sobre qualquer setor da administração pública e do qual o Judiciário não pode se desvincular.
Tudo propiciará monitoramento calcado em critérios objetivos de mensuração e avaliação do desempenho, conscientização do funcionário para o resgate de sua autoestima e assunção de uma nova cultura organizacional.
O patrimônio pessoal do Poder Judiciário brasileiro é capaz de produzir mais, de maneira mais produtiva e eficiente, antenado com as expectativas da comunidade. Para isso, mostra-se suficiente alertar cada integrante desse gigantesco estamento, conclamando-se a todos para oferecer o máximo em criatividade, audácia, boa vontade e entusiasmo. Ingredientes capazes de transformar a Justiça no serviço com que sonham os jurisdicionados.
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo