Principal aposta de ajuste nas contas públicas depois da expansão de despesas na pandemia da covid-19, o relatório da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial foi apresentado ontem a lideranças do Senado sem medidas adicionais de corte de gastos para 2021. A economia prevista no parecer para o ano que vem é marginal, de cerca de R$ 450 milhões, muito aquém da previsão inicial do relator de entregar para a equipe econômica uma redução das despesas entre R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões.
O texto dúbio do parecer, que ainda não é oficial, deixou incertezas sobre a possibilidade de abrir caminho para a criação de uma nova despesa continuada (como um programa social, por exemplo) com uma compensação feita apenas com revisão de subsídios, mesmo que isso represente estouro do teto de gastos, a regra que impede o aumento de despesas acima da inflação.
O parecer do relator Márcio Bittar (MDB-AC) coloca as principais fichas do ajuste via corte de renúncias fiscais, que a depender do foco pode ter como resultado aumento da carga tributária. Além disso, governo e lideranças gastaram capital político em uma PEC que não vai produzir o espaço necessário para tirar do papel o programa social prometido para depois do fim do auxílio emergencial.
Sem prever a criação do novo programa social do governo, o relatório foi desidratado das medidas mais duras de corte de despesas para abrir caminho no teto de gastos. A inclusão dessas medidas era defendida pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, e considerada essencial para dar uma virada de correção de rumo das contas públicas, após o aumento de gastos na pandemia.
Fontes envolvidas nas negociações admitiram que a base de apoio do governo, principalmente Norte e Nordeste, queria o programa social, mas disse não às propostas de desindexação (retirar a obrigatoriedade de conceder reajustes a benefícios, por exemplo) e outras medidas impopulares.
A redução da jornada dos servidores e corte dos salários também ficaram fora do texto. Até mesmo a bandeira pessoal de Bittar, de acabar com a aplicação mínima de recursos em saúde e educação, não prosperou. Procurado, o relator não atendeu a reportagem.
<b>Gatilhos</b>
A equipe do ministro Paulo Guedes considera uma vitória o aperfeiçoamento dos gatilhos (medidas de corte de despesas de pessoal), mas para 2021 eles já estavam previstos na Lei 173 que congelou os salários, reajuste e aumento de despesas de pessoal até dezembro do ano que vem, como contrapartida ao socorro da União a Estados e municípios.
Para o pesquisador associado do Insper, Marcos Mendes, o parecer não traz economia adicional significativa com cortes de despesas em 2021. "Em 2021, a Lei 173 já acionou gatilhos. A PEC só estende o efeito por mais um ano", diz ele, que é um dos autores do teto.
De acordo com técnicos do Congresso, a abertura de espaço no teto ficou restrita a duas medidas para os próximos anos: uso do superávit financeiro dos fundos públicos extintos (cerca de R$ 30 bilhões) e redução de subsídios fiscais à metade num prazo de cinco anos.
Fontes admitem a que a reviravolta na eleição da sucessão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou a possibilidade da sua reeleição, mudou as "peças do xadrez" e as negociações das medidas. Por isso, a versão ficou aquém do esperado e prometido.
O relatório também prevê que, se o governo identificar no envio da Proposta de Lei Orçamentária Anual (Ploa) que as despesas obrigatórias respondem por 95% ou mais das despesas primárias totais, já será possível acionar os gatilhos, que preveem a proibição de novos concursos, aumentos salariais, reajuste real do salário mínimo, criação de novos cargos, entre outras. "Afinal, o que significa a proporção de 95% de despesa obrigatória em termos da despesa total? Em matéria fiscal, nada", criticou o analista do Senado, Leonardo Ribeiro. Para ele, a proposta apresentada permite que o teto de gastos seja extrapolado sem dizer o que acontece nessa situação.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>