Em 1957, o arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright apresentou um projeto para construir a primeira casa de ópera de Bagdá, capital do Iraque. Ele fez uma extensa pesquisa cultural e projetou a estrutura. A missão – não concluída por Wright na vida real – agora retorna na ficção do escritor holandês Arnon Grunberg, um dos mais festejados de seu país e autor do premiado (e perturbador) Tirza, lançado por aqui ano passado. O protagonista de O Homem Sem Doença, romance de 2012 que a Rádio Londres publica agora no Brasil, é Samarendra Ambani, um arquiteto suíço de ascendência indiana, que recebe a tarefa de projetar a ópera de Bagdá.
O paralelo com Wright não aparece no livro de maneira explícita, mas é difícil pensar que alguma coisa seja coincidência na escrita obsessiva do escritor holandês – ele participa nesta quinta-feira, 22, do lançamento do livro na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, às 19h. Sua agenda no Brasil ainda inclui um bate-papo na Hebraica (R. Hungria, 1.000), em São Paulo, no sábado, 24, às 16h30, e um encontro no domingo, 25, no festival Tarrafa Literária, em Santos.
Em uma troca de e-mails com o jornal “O Estado de S. Paulo”, Grunberg diz que seu interesse por arquitetura começou por causa do livro. “A pesquisa frequentemente se torna mais do que apenas pesquisa. Para mim, o personagem principal desse romance deveria ser um jovem arquiteto, e o que eu sabia sobre arquitetura?”
Samarendra, ou Sam, é esse jovem arquiteto, quase inocentemente idealista, que acredita que a sua profissão existe, entre outras coisas, para fazer as pessoas se sentirem melhor. Citando seu mestre Max Fehmer – um arquiteto mais experiente e famoso, objeto de adoração e modelo para Sam, talvez inspirado em Wright -, ele aceita com entusiasmo a proposta de projetar a primeira casa de ópera de Bagdá para “fazer as pessoas esquecerem os desastres da guerra, a corrupção do dia a dia, a imundície do poder político”. Afinal, “a guerra destruía as pessoas e suas casas. Arquitetos construíam casas, e estão para a guerra como o médico está para a morte”, escreve o narrador – uma voz em terceira pessoa em cuja frieza calculada e concisão estão suas principais forças.
Sob a desconfiança da família, da namorada e do próprio sócio, ele embarca para o Iraque, e é aqui que as coisas ficam estranhas. O primeiro “confronto” do jovem europeu ocidental com o Oriente é sua aparência: todos pensam que ele é indiano, apesar de ele ter um orgulho mais ou menos discreto em ser cidadão suíço. O segundo embate com o Oriente, bem menos sutil, se dá nessa visita profissional a Bagdá, e os fatos que se passam por lá com ele dão o tom do resto do livro: uma espécie de resumo cruel dos “mal-entendidos” frequentes entre os dois estilos de vida, ocidental e oriental.
Grunberg esteve no Oriente Médio várias vezes nos últimos anos: “O jornalismo literário, que eu comecei a fazer em 2006, ajudou a refrescar minha imaginação”, diz – várias de suas reportagens estão disponíveis, em inglês, no seu site pessoal, arnongrunberg.com.
É impossível ler O Homem Sem Doença e não pensar nos trabalhos de Franz Kafka – e Grunberg diz que, de fato, a escrita do checo é importante para ele. “Tenho que admitir que às vezes eu o odeio, como na carta ao pai dele, mas quem ousa dizer que não ama Kafka?” Mas o autor estabelece uma diferença importante entre os dois: “Kafka era também um escritor de parábolas, ele era místico, enquanto que O Homem Sem Doenças é realista. A parábola se torna realidade”.
Grunberg diz estar, agora, trabalhando em suas colunas, e que começará a pensar em um novo livro ainda este ano. Moedervlekken (Marca de Nascença), um romance sobre um psiquiatra que trabalha em um centro de recuperação de pacientes com vontade de morrer, foi publicado na Holanda em maio deste ano, e os direitos já foram adquiridos pela Rádio Londres, como noticiou a coluna Babel do último sábado. O livro sai por aqui em 2017.
Ele também foi o escolhido para abrir a Feira do Livro de Frankfurt, que começa no próximo dia 18 de outubro, e que tem a Holanda como país homenageado. Lá, deve ocorrer mais uma parte de um experimento neurológico em que o escritor está envolvido. Um grupo de neurocientistas tentou ler o cérebro de Grunberg enquanto ele escrevia o romance Het bestand (O Arquivo), publicado em 2015, e depois eles fizeram o mesmo em um grupo de 250 leitores. A intenção era estudar a própria criatividade: o escritor sentia raiva quando escrevia sobre raiva, por exemplo? E o leitor? Apropriadamente, o livro é uma espécie de ficção científica maluca, ainda sem data de publicação anunciada no Brasil.
O HOMEM SEM DOENÇA
Autor: Arnon Grunberg
Tradutora: Mariângela Guimarães
Editora: Rádio Londres (256 págs., R$ 46,50)
Lançamento: nesta quinta-feira, 22, às 19h, na Cultura do Iguatemi
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.