Variedades

Novo romance de Ruffato conta a trajetória política de um brasileiro do interior

Luiz Ruffato adiciona mais um tijolo ao seu projeto pessoal de retratar, por meio da literatura, as condições do trabalhador brasileiro com a edição “revista, ampliada e definitiva” do romance De Mim Já Nem se Lembra, que tem lançamento nesta quarta, 6, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, às 18h30.
Feito sob encomenda em 2007 para a editora Moderna, o livro conta a história de um personagem – Luiz – que encontra, entre os pertences da mãe morta, um maço de envelopes, cartas enviadas pelo irmão mais velho, Célio, que havia se mudado para São Paulo. O leitor acompanha, então, as 50 missivas que descrevem as mudanças de Célio, e sua crescente conscientização política no Brasil da ditadura nos anos 1970. Ruffato respondeu às perguntas do jornal O Estado de S. Paulo.

Em uma das cartas, Célio escreve: “Isso é muito triste, porque aqui não é o meu lugar. Mas sinto que aí já não é o meu lugar. Ou seja, não sou de lugar nenhum”.

O que você diria para o Célio nessa situação?

Creio que a condição primordial do brasileiro é essa sensação de não pertencimento. Esse incômodo de saber-se sempre estrangeiro, esteja onde estiver. Meu caso é emblemático. Meus avós vieram da Itália miseráveis, foram empregados rurais e depois pequenos agricultores numa colônia do interior de Minas Gerais. Meus pais mudaram-se de suas cidades de origem para Cataguases, que oferecia a eles condições mais favoráveis de criar os filhos. Eu me mudei para São Paulo. Ou seja, três gerações, três locais diferentes. Aliás, essa condição de desenraizamento deveria ser levada em conta na hora de tentarmos compreender alguns aspectos da sociedade contemporânea, como a violência urbana, o descompromisso com a comunidade, o alheamento político.

Uma leitura feita sobre a situação política no Brasil é a de que estamos caindo em uma dicotomia bastante superficial, e bem no fim inútil. Você concorda?

Vivemos hoje um perigoso momento de intolerância. Joga-se um jogo fatal entre nós (os bons, inteligentes e honestos) e eles (os maus, burros e corruptos). Acho um horror qualquer tipo de maniqueísmo, fanatismo, seja à esquerda, seja à direita. Não é saudável, não leva a lugar algum. As pessoas tornam-se arrogantes, prepotentes, cegas. Abraçam verdades absolutas e esquecem-se algo que até mesmo aquela autora best-seller, Erika Leonard James, já sabia: entre o preto e o branco há pelo menos 50 tons de cinza. O pensamento binário é autoritário, não aceita divergência, é impositivo, ditatorial. A democracia é a convergência de opiniões divergentes. Não a supremacia do pensamento único.

Numa coluna recente para o El País, você mencionou o “nosso fragilíssimo Estado de Direito”. Ele sempre foi frágil ou se fragilizou nos últimos meses?

O nosso Estado de Direito é frágil porque nossa democracia é frágil. O Brasil é um país racista, homofóbico, machista, violento, intolerante. Nossa história política é uma sucessão de golpes e ditaduras. Não temos tradição democrática. Estamos completando 31 anos de democracia, o que é nada, mas que significa o maior período ininterrupto de democracia de toda a história brasileira. Infelizmente, não temos lideranças responsáveis, neste momento, que pudessem chamar para si a proposição de um diálogo, visando a recondução do País para os trilhos da normalidade. O que temos são chefes de partido mais interessados em repartir o butim que em resolver os problemas graves que nos acossam. Em momentos assim, de crise institucional, agravada por uma crise econômica sem precedentes, é que surgem os salvadores da pátria. E salvadores da pátria, a história ensina, apenas conduzem o rebanho ao abismo.

Numa entrevista recente ao site PublishNews, que recebeu o título de Efeito Ruffato, você disse ter sofrido represálias por conta do discurso de Frankfurt. O que aconteceu especificamente?

Bom, depois que fiz o discurso de abertura da Feira do Livro de Frankfurt, tornei-me uma espécie de persona non grata. Nunca mais participei da lista oficial de escritores brasileiros em eventos literários no exterior e o espaço das embaixadas, com raras e honrosas exceções, me foi negado para realização de leituras ou lançamento de livros. Evidentemente, isso me afetou um pouco, mas como tenho uma carreira internacional iniciada em 2003, ou seja, dez anos antes daquele episódio, continuei a participar de feiras internacionais, continuei a ser chamado para palestras em universidade e em festivais literários.

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