Num quarto de paredes decoradas com pôsteres do grupo de rock Sepultura dificilmente se abrigará um musicista clássico conservador. Em outro quarto, que esteja ornado de imagens de santos, não haverá muitas possibilidades de viver um ateu radical. Isto porque projetamos em nossos ambientes aquilo que somos – sabe qualquer bom romancista. Observe o espaço onde vive uma pessoa e você descobrirá, nele, características importantes dela. Personagem como um skinhead direitista ultrarradical obviamente não aparecerá, numa narrativa, como alguém adaptado ao suave espaço de um mosteiro zen budista.
Mas, o espaço físico carrega algo, além das características dos seres humanos que o habita e lhe dão identidade. Carrega sua história. Digamos que perto de sua casa, haja um bar da esquina, onde você costume tomar diariamente cafezinhos. E que nele trabalhem funcionários de quem você gosta. Certamente, não lhe faltará assunto para manter conversas. Assim, o bar funciona ainda como espaço de convivência e sociabilidade.
Portanto, existem identidade, história e relações de sociabilidade nos quartos e no bar imaginados. Tudo o que está ausente em shoppings centers, aeroportos e supermercados. Alguns dos espaços físicos chamados de “não-lugares” pelo antropólogo e etnólogo francês Marc Augé. Nada tem de espaço físico personalizado, por exemplo, um shopping center.
No livro “Não-lugares – Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade”, Augé diz que um “não-lugar” – como um shopping center – é erigido para que pessoas façam, nele, cada vez mais coisas, em menos tempo. Porém, ninguém faz parte dele, verdadeiramente. As pessoas veem outras pessoas, coisas e imagens, nele. Circulam entre corredores de prateleiras, dialogando sobretudo, com etiquetas e tabelas de preços. Sem, jamais, dotá-lo de identidade singular, ou torná-lo espaço de sociabilidade. Porque o shopping center é um espaço dos outros. Que não precisa da presença de outros, determinados. Construído apenas para se ver o mundo como espetáculo. Ali, as interações que se praticam, afirma Augé, são “relações de solidão”.
Não é por isto, contudo, que os shopping centers estão desaparecendo, conforme anunciam, há três anos, publicações especializadas em Economia, nos EUA e no Brasil. E sim devido a crises econômicas (que reduzem o poder de compra dos antigos frequentadores), aos preços menores oferecidos por lojas e ao comércio através da internet. Em 2014, eram tantos os shoppings centers abandonados nos EUA que o fotógrafo Seph Lawless publicou um livro com ensaio composto só de fotos daqueles que encontrou em viagens pelo país.