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O Aquarius da vida real ainda não foi tombado

Há 35 anos, Aronita Rosemblatt se mudou para o número 560 da Avenida Boa Viagem, no bairro do Pina, no Recife. Nas décadas seguintes, deixou o edifício Oceania apenas em compromissos pontuais e nos três meses em que seu apartamento se tornou o lar de Clara (Sonia Braga), protagonista do filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, exibido no Festival de Cannes e em cartaz nos cinemas. “Durante as filmagens, me mudei para um prédio de alto padrão, de 30 andares. Fiquei deprimida, sem referências, porque aquele não era o meu estilo de vida”, relembra.

Embora ficcional, o longa tem muitas semelhanças com a própria trajetória do Oceania. Como a personagem de Sonia Braga, Aronita resistiu aos avanços de uma construtora que pretendia derrubar o prédio, dos anos 1960, para construir um substituto mais alto e moderno. Professora da Universidade de Pernambuco (UPE), a dentista relata que a empresa, a Queiroz Galvão, chegou a enviar propostas de compra por baixo da porta de apartamentos.

“Foi tudo muito parecido com o filme. Eu só não tive dificuldade com os filhos aceitarem a minha opção, como a Clara teve. E também não sofri tanta agressão da construtora, com exceção da época do pedido de tombamento, mas foi tudo verbal.”

Aronita começou a se mobilizar para salvar o edifício em 2002, quando abriu um processo de tombamento, com a ajuda do irmão, Milton Botler, arquiteto e urbanista, e do filho caçula, Paulo Rosenblatt, advogado. O pedido se prolongou até 2004, quando foi negado pelo Conselho Estadual de Cultura. No fim, contudo, a construtora desistiu do projeto. Em nota, a empresa informa que colocou à venda os quatro apartamentos que detém no local.

Ao saber do interesse da equipe de Aquarius em filmar no edifício, Aronita rapidamente decidiu convencer os vizinhos em colaborar. Agora, com a divulgação, acredita que ele vai ajudar a manter o prédio de pé: “Para a sociedade, o Oceania já está tombado”, defende.

Em nota, a Secretaria de Cultura de Pernambuco afirma que “neste momento, o edifício Oceania é um bem protegido” porque o processo de tombamento não foi concluído. Ainda não há previsão para uma nova decisão. No âmbito municipal, ele também pode ser enquadrado como Imóveis Especiais de Preservação (IEPs). Segundo a Prefeitura do Recife, uma nova lista de bens protegidos deve ser divulgada ainda em 2016, trazendo imóveis das imediações da Avenida Boa Viagem.

Originalmente, Aquarius seria ambientado no Caiçara, que já estava em avançado processo de demolição durante as filmagens, em 2015. Dessa forma, o Oceania se tornou a única opção possível, segundo o cineasta Kleber Mendonça Filho, que já havia retratado aspectos urbanos do Recife em O Som ao Redor e Recife Frio.

Frequentador da região do Pina desde os anos 1970, o cineasta diz que a produção dialoga com a realidade. “Fazendo ficção, você consegue chegar a uma verdade quem sabe até maior que em alguns documentários. Os filmes oferecem um registro de um determinado estado de espírito, de um tempo.”

Para o diretor, mostrar onde a história se passa é, inclusive, um recurso essencial para a construção de seus filmes e uma forma de retratar a relação do corpo (personagem) com o espaço. “A minha talvez única real pretensão era que o espectador, depois de assistir, fosse capaz de desenhar o apartamento em um guardanapo.”

Com o lançamento de Aquarius, o Oceania se tornou uma atração turística na orla do Recife. No instagram, por exemplo, é possível achar fotos e vídeos marcados com hashtags como #aquariusfilme. Sócio-fundador da Ecohus e da Ecowork, Rafael Vaisman decidiu até abrir as portas de suas empresas para receber os curiosos. “Dá visibilidade para a gente. Vem pessoas de tudo que é lugar, de outros estados, muita gente.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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