Variedades

O artista como laboratório vivo de uma época

Há muito o que dizer sobre o diretor Krystian Lupa. Destaque da 5.ª Mostra Internacional de Teatro, o polonês desembarca em São Paulo com Árvores Abatidas, que estreou nesta sexta-feira, 2, e vai até este domingo, 4.

Influenciado pelo grandioso Tadeusz Kantor, o polonês criou sua versão para a obra do austríaco Thomas Bernhard que retrata um reencontro entre amigos artistas, em que se revelará parte da hipocrisia da sociedade austríaca da época. “O autor rompeu, num certo momento, com as relações artísticas e de amizade com os membros desse grupo quando percebeu que eles estavam começando a trair os ideais artísticos”, conta o diretor em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” por e-mail. “Naquele famoso jantar artístico no qual os encontrou muitos anos mais tarde, Bernhard está chocado com o tamanho da degradação, em termos humanos e criativos, que eles, passivamente e sem qualquer reflexão crítica, deixaram acontecer. E o nível do conformismo.”

Com a sociedade na mira de sua obra, Lupa, que prefere adaptar romances a textos teatrais, analisa que as ondas de xenofobia e racismo atuais fazem parte de um ressentimento que retornou no século 21, desde a Segunda Guerra. “O diagnóstico que ele faz dessa hipocrisia, como o fascismo, nazismo, revela que estamos de novo perto dos mesmos perigos. A tentativa de transformação, de transportar o homem europeu na próxima e mais clara etapa da evolução, falhou”, afirma.

Se a atitude ferina de Bernhard inspirou o adulto Lupa, na infância, o polonês precisou inventar seu próprio mundo – Juskunia – para conquistar liberdade, princípio que o conduziria ao trabalho teatral. “A utopia era a condição da infância; talvez uma tentativa de fugir do excesso da imaginação, do excesso da infância. Afinal, a sociedade, os pais, querem fazer de nós indivíduos maduros e socialmente responsáveis.”

Foi o encontro com Kantor que inspirou seu ideal de teatro. O colega polonês implodiu as fronteiras entre as artes, e influenciou artistas como Marina Abramovic até o encenador brasileiro Antunes Filho – em 2015, o Brasil recebeu a exposição do centenário de Kantor, no Sesc Consolação. “Com ele, eu sentia algo similar, ele era indomável e um teimoso criador de imaginações individualistas. Havia um fidelidade fanática ao mistério escondido do homem maduro de nossa época.” O horror da guerra, presente nas obras de muitos artistas do século 20, povoaram as criações de Kantor, considerado por Lupa como um artistas mais individualista e resistente que político.
“Ele era um defensor feroz do indivíduo humano ameaçado pelo totalitarismo. Kantor era um buscador das possibilidades humanas escondidas. É bem característico que após a vitória do movimento da Solidariedade (o movimento social Solidarnosc), Kantor foi um dos primeiros decepcionados com a direção na qual seguiu a nova realidade polonesa. Ele estava decepcionado com a ausência da cultura, com a ausência de um fio humanista mais profundo nessas transformações.”

No Brasil, Lupa diz encantar-se com o artistas como Kleber Mendonça e Henrique Meirelles e o diretor de teatro argentino Rodrigo Garcia, e a produção cinematográfica na América Latina. “Uma nova história cinematográfica está sendo criada aqui. Cidade de Deus, que foi feito uns anos atrás, é um dos filmes que mais profundamente vivi nos últimos tempos. Os encontros aqui têm sido inspiradores.”

ÁRVORES ABATIDAS
Sesc Pinheiros.
R. Pais Leme, 195. Tel.: 3095-9400. Sáb, 3, 18h, dom., 4, 17h. R$ 30 / R$ 15. Até 4/3.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Posso ajudar?