Mundo das Palavras

O ‘artista’ poderoso do Brasil

Performance é uma palavra que vem sendo usada, desde os anos de 1960, para designar um desempenho teatral em espaço público, fora das casas de espetáculos. Um desempenho como o que teve nos corredores da Câmara Federal o presidente daquela Casa Legislativa, Eduardo Cunha, diante da multidão de jornalistas que o cercaram para ouvi-lo quando a Polícia Federal invadiu residências e escritórios dele, no dia 15. Em busca de documentos que comprovassem as denúncias contra Cunha feitas ao ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki pelo Procurador-Geral da RepúblicaRodrigo Janot. 
 
A atuação do presidente da Câmara Federal naquela entrevistalevou o advogado, professor da Fundação Getúlio Vargas,Jean Menezes de Aguiar,a escrever para o site Brasil247 um artigo com o título: “Admita-se, Eduardo Cunha é um espetáculo em frieza e equilíbrio”. No artigo, ele observou: “Inacreditavelmente sua calma cênica perante jornalistas famintos de seu fígado; seu imperdível raciocínio lógico, fazendo dos mesmos jornalistas uns ginasianos; e seu cinismo olímpico. Mostram um Cunha realmente tranquilo. Arriscar-se-ia dizer: em paz. Quase bocejando, com preguiça. Ou para a ira de muitos: superior a todos ali. Não se trata apenas de um comportamento blasé, mas de uma interessante calma interior”. 
 
O advogado prosseguiu: “Quando se fala em 'calma', é uma calma que obviamente não condiz com overdadeiro e custoso inferno judicial, político e público que o deputado está enfiado. Até o pescoço”.
 
Jean, então, admitiu: “Cunha 'começa' a se mostrar uma personalidade interessante”. E comparou: “É o lindo e louco Stansfield do filme O profissional, vivido pelo maravilhoso Gary Oldman, ouvindo música clássica enquanto matava toda a família de Mathilda, a tiros de 12”.Uma prova disto: ele “garante que receber o camburão da Polícia Federal às 6 horas da manhã em casa, com ordem judicial emitida pelo Supremo Tribunal Federal 'né nada demais'. É coisa que qualquer brasileiro tem que encarar com naturalidade”.
 
No final do artigo, a previsão: “Cunha continuará a ser este prodígio de verborragia, fluidez léxica, agilidade mental e ilusionismo cênico. Talvez só perca a graça mesmo quando a polícia lhe visitar para levá-lo preso. Se acontecer, claro. Ou quando este Legislativo aí cassá-lo (será?). Aí, 'estima-se' que ele experimente um gosto ruim na boca. Ou não”.
 
Depois que este texto foi postado, na área reservada aos comentários dos leitores, dois profissionais da área da Saúde Mental trocaram pontos de vista.A psicóloga da Unicamp Vera Chvatal e o antigo diretor do Instituto Médico Legal, de Porto Alegre, psiquiatra Mareu Soares. Ela escreveu sobre Cunha: “As características de personalidade são claramente do psicopata. Por isso a inteligência, a frieza, a calma, o cinismo, o ar de superioridade”. Mereu respondeu-lhe:“Perfeito, Vera”. E adiantou: “Só vamos nos livrar de Cunha quando uma ação popular no STF exigir uma junta psiquiátrica e de psicólogos para examiná-lo. Tenho a certeza de que, então, ele será interditado para o exercício de qualquer função pública”.
 
Por coincidência, dias antes, Mareu tinha analisado detalhadamente a personalidade de Cunha, para outro site–o Imagem Política. Lá, elese insurgiu contra a classificação de “delinquente” feita a Cunha por Rodrigo Janot,na sua denúncia ao STF. Janot tinha também usado como epígrafe no seu texto esta frase de Mahatma Gandhi: “Tem existido tiranos e assassinos. E, por um tempo, parecem invencíveis. Mas, no final sempre caem”. 
 
Já Mereusustentou no artigo “205 milhões de brasileiros nas mãos de um psicopata”:
 
“Cunha não é um sujeito ‘eticamente desqualificado’. O caso dele é qualificado pelo Código Internacional de Doenças: Transtorno de Personalidade Dissocial. E, o mais dramático, essa patologia não tem até hoje possibilidade de cura. São pessoas sedutoras, cínicas e manipuladoras. Mentem exageradamente, sem constrangimento ou vergonha. Ao narrar fatos, costumam utilizar contextos fundamentados em acontecimentos reais, mas manipulados de acordo com seus interesses. Seduzem seus parceiros para convencê-los a fazer algo em seu lugar, evitando assim prejuízos a si mesmos. Jamais sentem culpa. Fingem ter comportamentos éticos para se infiltrarem em grupos sociais ou religiosos.Uma atitude fundamental, porém, é certa: jamais (se deve) dar condição de mando a esse tipo de doente. Os estragos que são capazes de fazer são quase inimagináveis”.
 
Esta impressão de perigo passou a se espalharatravés da internet no dia 21. No blog “Vergonha na cara”, apareceu uma foto do rosto de Cunha com estafrase em letras gigantes: “Todos contra o psicopata”. Três dias depois, a postagem acumulava 112 compartilhamentos.
 
Mas, afinal, Cunha é delinquente ou psicopata? Para o professor de Psicologia Guilherme Boulos, atual coordenador nacional do movimento dos sem teto, ele é apenas a “expressão da captura das funções públicas pelos interesses privados”?Num artigo produzido para o site Jusbrasil, Boulos ressaltou: “O diferencial de Cunha – que espanta pela ousadia – é que ele constituiu uma bancada própria, com a fidelidade que o dinheiro assegura”.
 
O tempo certamente vai mostrar o verdadeiro Cunha.Ninguém, porém, duvide. No futuro, os brasileiros se indagarão “Como foi possível acumular tanto poder político alguém com as características psicológicas dele?”. Exatamente como se perguntam, hoje, os alemães, em relação a Adolf Hitler. Performático na gesticulação exagerada dos seus discursos. E em quadros de pintura. Por isto ironizado por Giuseppe Veneziano na tela em que mostrou o líder nazista como violinista.
 

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