A parábola é conhecida. O escorpião precisava atravessar um lago. Pediu ao sapo que o carregasse em suas costas. O sapo respondeu: “Se eu fizer isto você vai me picar e ambos morreremos afogados”. O escorpião ficou indignado: “Você acha que eu quero morrer?”, perguntou. Diante da reação dele, o sapo então concordou em lhe dar aquela carona. No entanto, no meio do lago, o escorpião picou o sapo. E explicou, antes de os dois afundarem nas águas do lago: “É a minha natureza”.
Esta mesma natureza de quem age impulsiva e irracionalmente tem se mostrado vigorosa em dois setores da vida social brasileira. Na Política, através das dezenas dos deputados que covardemente se esconderam atrás do anonimato permitido pelos equipamentos do Congresso Nacional – usados durante as votações – para se acumpliciarem com um colega corrupto poupando-lhe o mandato cuja cassação era exigida pela opinião pública do país. O imediatismo que os levou a agir naquela votação parece tão suicida quanto o do escorpião. Pois, se tivessem capacidade mínima de enxergar pouco além de seus espúrios interesses imediatos, perceberiam a imprudência em agravar ainda mais a repulsa, já profunda, manifestada nas ruas pela nossa população, em relação à categoria deles.
Também com a natureza do escorpião tem agido, na Política, os jovens que escondem seus rostos para destruir bancos e bens públicos, após aquelas manifestações de ruas – pacíficas e legítimas – por enxergarem neles símbolos do capitalismo explorador. O imediatismo cego os impossibilita de ver que a suposta radicalidade da atuação deles em busca de liberdade democrática põe em risco, de modo inconsequente e suicida, o direito de manifestação conquistado por nossa população com o sangue de muitos outros jovens brasileiros que enfrentaram a Ditadura Militar vigente por duas décadas no país a partir de 1964.
Fora da Política, a natureza de escorpião tem se manifestado no modo como muitos médicos reagiram à contratação de colegas deles no Exterior pelo governo brasileiro. A estes estrangeiros foi imposto contratualmente um confinamento profissional, destinado a retê-los somente nas áreas do país nas quais os médicos brasileiros não tem interesse em atuar. No entanto, tudo tem sido feito por aqueles médicos brasileiros para impedir o trabalho dos estrangeiros no socorro à saúde das pessoas que vivem naquelas áreas. O imediatismo que os move, num corporativismo odiento, nos traz de volta à memória a velha expressão Máfia de Branco. E acelera, de modo igualmente suicida, a descaracterização social – já grave – deste profissional da saúde. Antes visto como um deus pelas famílias, hoje, infelizmente, com frequência encarado como um profissional desumano e suspeito.