Berlim sempre foi, tradicionalmente, o festival internacional mais receptivo ao cinema brasileiro. Em 2018 e 19, a Berlinale acolheu 12 títulos nacionais a cada ano, entre curtas e longas. Foram filmes como Marighella, que até agora não estreou nos cinemas do País, Divino Amor, Greta, Tinta Bruta, Indianara, Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar, etc. Para este ano, na 70ª edição do festival, não apenas o número aumentou – para 19 -, como o Brasil está de volta à competição, com Todos os Mortos.
A Berlinale de 2020 começa nesta quinta, 20, e prossegue até o domingo, 1º de março. No sábado, 29, o júri presidido por Carlo Chatrian anuncia os vencedores da 70ª edição. O Brasil está de volta à disputa do Urso de Ouro, que já recebeu duas vezes – por Central do Brasil de Walter Salles, em 1998, e Tropa de Elite, de José Padilha, em 2007 -, com o novo longa de Marco Dutra, em parceria com Caetano Gotardo. Todos os Mortos é um drama de época que os dois diretores começaram a conceber em 2013, até como tentativa de compreensão dos movimentos de rua que estavam sacudindo o Brasil naquele momento.
E surgiu a história de uma mãe e suas duas filhas no período pós-Proclamação da República e libertação dos escravos. Uma antiga escrava permanece agregada à família e é por intermédio dessas quatro mulheres que a dupla de diretores tenta dar conta da estrutura social brasileira. "A desigualdade social no País não é um fato novo, mas tem origem nas condições históricas. Não é possível entender o hoje sem se referir ao passado", reflete Dutra. É um diretor que gosta de trabalhar em dupla – com Juliana Rojas, com Gotardo – e com frequência tem se exercitado no cinema de gênero. Dessa vez, não espere pelo terror – a pegada é outra.
Para sua edição de 2020, o Panorama terá como tema as migrações. Cidade Pássaro, de Matias Mariani, olha São Paulo pelo ângulo de um músico nigeriano que busca o irmão no Brasil. "Estar em Berlim com esse filme demonstra que há um interesse em ir além das histórias que se espera do Brasil. Uma consequência inesperada dessa crise democrática que estamos vivendo é o fato de nós, cineastas, estarmos percebendo a necessidade de alargar um pouco o conceito de filme brasileiro, de criar pontes narrativas mais sólidas como resto do mundo e ser um pouco menos autorreferentes", diz o diretor.
Também no Panorama, Karim Aïnouz mostra o documentário Nardjes A. A história desse filme não poderia ser mais curiosa. Karim foi à Argélia em busca de suas origens, para traçar um retrato do pai. Descobriu essa ativista por direitos. Não resistiu – filmou-a do jeito que dava, isto é, com IPhone, e só isso já faz do filme uma experiência de linguagem por parte de um autor que tem ousado bastante nos temas.
O experimentalismo também dá o tom de Apiyemieki, de Ana Vaz, no Forum Expanded. Na mostra Generation, o representante do Brasil é Meu Nome É Bagdá, de Caru Alves de Souza, sobre garotas skatistas que enfrentam o machismo na família e nas ruas.
Outros longas brasileiros na Berlinale – No Forum: Vil, Má, de Gustavo Vinagre; Luz nos Trópicos, de Paula Gaitán; e Chico Ventana También Quisiera Tener Un Submarino, de Alex Pipero; no Forum Expanded: Jogos Dirigidos, de Jonathan Andrade; (Outros) Fundamentos, de Aline Motta; Vaga Carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr; Letter From a Guarani Woman in Search of a Land Without Evil, de Patricia Ferreira Pará Yxapy.
Ainda na Panorama, Un Crímen Común, de Francisco Márquez, coprodução com a Argentina, sobre assassinato que expõe a desigualdade de classe; O Reflexo do Lago, de Fernando Segtowick, na seção Dokumente, sobre comunidade que, mesmo vivendo junto a uma das maiores hidrelétricas do mundo, na Amazônia, não dispõe de eletricidade; e Vento Seco, de Daniel Nolasco, sobre garoto do interior de Goiás cuja vida sofre sobressalto ao conhecer sósia de herói de quadrinhos. Este último surge desde logo como candidato ao Teddy Bear, o Urso gay, que filmes brasileiros têm vencido com regularidade nos últimos anos.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>