Mundo das Palavras

O bumbo do Olodum

Ninguém precisa ser músico para entender as convenções que compõem a espécie de linguagem utilizada no ambiente em que ele vive. Basta amar a música. Por exemplo, não há quem não saiba o quanto o silêncio da platéia é necessário, entre os que costumam apreciar música em concertos.


 


Em primeiro lugar, é necessário para preservar a concentração com a qual o músico mergulha no talento, na sensibilidade, e, no repertório de recursos de expressões do compositor, cuja peça ele está executando. A mesma concentração ele ainda usa para demonstrar sua própria sensibilidade, seu talento, sua técnica.


 


Em segundo lugar, o silencio é indispensável para preservar o prazer com que a platéia absorve, aprecia, se delicia e se comove com a música, e, com o modo como ela éi executada. Por isto, um barulho inconveniente numa sala de concerto é recebido quase como uma ofensa ao músico e à platéia. E, por isto rechaçado com muita irritação. Há casos de músicos que simplesmente abandonam o palco de um teatro, frustrado e indignado, porque, no meio da execução de uma peça, o toque fora de hora de um telefone celular quebrou sua concentração. Um desastre deste só uma pessoa desavisada – ou inculta – permite que ocorra. Pois, corre o risco de ser severamente repreendida pela platéia.


 


Na comunicação entre músicos e ouvintes há outra convenção utilizada nas sessões de jazz. A do momento dos solos individuais. Junto com a execução conjunta dos músicos, os apreciadores de jazz amam o momento em que, no meio de uma música, cada um deles tem sua oportunidade como solista.  Aprecia-se o prazer criado pela demonstração de virtuosismo individual do saxofonista, do pianista. E, com a mesma atenção e consideração, aprecia-se a do baterista. Há, aliás, ouvintes que dedicam especial atenção aos instrumentos de percussão


 


O silêncio exigido nas apresentações dos músicos traduz respeito,atenção. À platéia e ao músico. E leva à contenção. Da platéia e do músico. A platéia deve se manter quieta. Manifestando-se somente no final da apresentação de cada música, através de palmas. Para isto, precisa conhecer o que está ouvindo. De outro modo, pode cometer o deslize de aplaudir no meio de uma música, quando o artista acabou de tocar apenas a sua primeira parte. 


 


Por seu lado, o músico deve manter a dignidade do seu ofício, quando chega ao palco. Torna-se insuportável para a platéia reunida com a intenção de ouvir sua música que ele busque qualquer objetivo fora do seu campo profissional.


 


Por tudo isto, quem gosta de música – e particularmente de percussão – tem muita dificuldade de entender a performance dos músicos do conjunto baiano Olodum. Formado exclusivamente por músicos de percussão supõem-se que direciona seu trabalho a quem aprecia esta família de instrumentos. No entanto, parece que tocar percussão é pouco para seus músicos. Tal o grau de contorcionismo exibicionista gratuito que eles impõem ao público. A ponto do bumbo, imagine-se só, ser tocado pelo músico por cima de sua cabeça. 


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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