Um Chico Buarque que, décadas atrás, já disfarçou as críticas sociais e aos militares, e já as escancarou. Defendeu arduamente seus interesses políticos, apunhalou o “cale-se”. E, agora, aos 73 anos, é um retratista da sociedade ao seu redor. Apaziguado, talvez. Mas calma é a voz da idade. Não há pressa e vividez, como no Chico que batia com Construção e avançava enfurecido com Calabar. Caravanas é, portanto, o retrato do Rio de Janeiro – e do Brasil – que Chico vê quando caminha pelas praias da zona sul carioca. Suave.
Um homem que encara a idade e cujo corpo é incapaz de desenvolver passes e dribles com as bolas nos pés dos tempos outros, cantado com nostalgia em Jogo de Bola. Acima de tudo, Chico é esse homem frágil. Ciente que é quebrável e não imortal. Por isso, deixa ficar a fragilidade no gogó. E é adorável ao fazê-lo. Não se engane, contudo, nada é fora do lugar. Quando soa vulnerável, o faz de forma proposital. Porque Chico quer, descaradamente, duvidar de si, dele, o compositor, o cantor, o amante que não tem sua contraparte.
Canta amores, ainda. É a temática mais presente em seu Caravanas. São sentimentos de diferentes tamanhos e amargores – mas há pouco melaço para fazê-lo sorrir. É como o amor efêmero de A Moça do Sonho, parceria com Edu Lobo, vagarosa, de voz, violão e violoncelo. Uma musa de sonho, uma fumaça que se vai ao abrir dos olhos e a cama, ao lado, está vazia.
Sofre o velho Chico, machucado por esses amores não correspondidos, proibidos ou mesmo impossíveis. Coloca-se para baixo, como um jovem a sofrer a fossinha de uma paixão que nunca ganhou sabor. Nem beijo nem gozo. Ficou ali, distante, no fértil campo das ideias do compositor. “Fico admirado por incomodar-te assim. Jamais pensei que pensasses em mim”, canta em Desaforos, a oitava das nove faixas de Caravanas. Tão cabisbaixo, um dos maiores compositores do País se posiciona no personagem falho, capenga. “Custo a crer que meros lero-leros de um cantor possam te dar tal dissabor.” Lero-leros, Chico? De alma devastada, ele segue, de cantarolar em cantarolar, derrota em derrota.
O passado já foi generoso com Chico, o eu lírico. Tinha mais sorte no amor, esse romântico de olhos verdes. Ao menos, alternava-se entre vitória e fracasso. Agora, canta os insucessos. Em Tua Cantiga, a polemizada, ele enciumado, cala-se; exagerado, ajoelha-se; desesperado, tenta; sem saída, vai-se embora com a promessa do retorno imediato. Derrotado, se dispôs a “virar menina” para namorar a protagonista de Blues Para Bia e prometeu voltar a Cuba em Casualmente (parceria com Jorge Helder), para encontrar aquela que provavelmente já lhe esqueceu. Quebrável, Chico perdeu. Todas elas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.