Opinião

O crime do camaro vermelho


Quinta-feira, 6 de outubro. Cemitério da Lapa, Zona Oeste de São Paulo. É enterrado o corpo de Edson Domingues, 56 anos, um trabalhador que deixou sua esposa no início da manhã de sexta-feira passada, em casa, para mais uma jornada. Com uma picape, saiu em busca do sagrado pão de cada dia.


 


Seo Edson não poderia imaginar o que lhe aguardava. Poucos minutos depois, foi atingido por um Camaro, que trafegava por uma avenida na Freguesia do Ó, na zona norte paulistana. O impacto d foi tão forte que a picape pegou fogo, sem tempo para seo Edson deixar o veículo.


 


Ele padeceu na unidade de terapia intensiva do Hospital das Clínicas de São Paulo, na unidade de queimados. Teve 90% de seu corpo completamente atingido. Se sobrevivesse, jamais teria uma vida normal. No final da noite de terça-feira, seo Edson veio a falecer.


 


No outro volante, um jovem de 19 anos, estudante, filho de um vereador de Embu. Felipe de Lorena Infante Arenzon havia adquirido o Camaro vermelho menos de um mês antes. Possante, é um carro que não pode ficar nas mãos de qualquer um. Precisa ser conduzido com responsabilidade, acima de tudo, conforme atestou este jornalista durante uma semana avaliando um modelo igual.


 


Sem julgamentos precipitados, mas segundo a polícia apurou no dia do acidente (para muita gente, assassinato), o jovem não estava indo para mais um dia de trabalho, como seo Edson. Diferente, ele estava saindo da balada, onde pode (ou não) ter consumido bebidas, entre outras substâncias. Ao volante do Camaro, nas condições em que se encontrava, tornou-se uma arma pronta para explodir. E explodiu. Mas antes deixou um rastro de destruição nas ruas e avenidas por onde passou, desde a zona oeste até a zona norte. Várias carros foram atingidos no trajeto.


 


Após a batida, enquanto seo Edson era conduzido de helicóptero ao HC, Felipe foi para a cadeia. No interior do Camaro, segundo a polícia, uma lata de cerveja. Detalhe. Mas – lei, ora a lei – a fiança foi estabelecida em R$ 245 mil. Assim, dois dias depois, o jovem, graças ao empenho da família, estava em casa, para aguardar o julgamento pelo homicídio doloso (quando há intenção de matar) em liberdade.


 


Provavelmente, esse caso deve cair no esquecimento. Felipe, assim como tantos outros jovens, vai voltar a ter uma vida normal. Pode até ser que nunca mais cometa um crime. Porém, sua liberdade acaba deixando a gente com uma sensação tão ruim, de que – no Brasil – a justiça não é feita quando alguém tem dinheiro. Uma pena.



 


Ernesto Zanon


Jornalista, diretor de Redação do Grupo Mídia Guarulhos, escreve neste espaço na edição de sábado e domingo


No Twitter: @ZanonJr

Posso ajudar?