Convivi parte da minha vida com uma metáfora associada à acida fruta em questão. Meu pai – camelô – dizia sempre as frases “se chover, vou encarar um abacaxi daqueles”; “quem agora vai descascar este abacaxi?”. Era um tal de “olha o tamanho do abacaxi” para cá; “viche, só abacaxi” pra lá e “toma esse abacaxi pra você” acolá.
Tirando a metáfora e falando da fruta em si, ela tem lá seus encantos e empresta um sem-fim de manias. Tem aquela coisa de dizer que a parte da coroa é mais doce que do fundo (ou o inverso, não sei). Meu sogro dizia que no abacaxi se coloca sal para tirar o azedume. E tirava. Tem gente que gosta dele com raspas de limão (mais azedo ainda!) e até aqueles casos em que se usa o abacaxi para amaciar a carne.
De qualquer forma, o que você faz com o abacaxi é muito pessoal. Eu gostava (e ainda gosto) do abacaxi de qualquer jeito. O problema – descobri – não é comer. Concordemos: des-cas-car.
Quando criança era só pegar a rodela, morder, reclamar ou elogiar. Morder um abacaxi é como abrir um Kinder Ovo. Agora o martírio é cortá-lo!
Primeiro tem que escolher o abacaxi; se é Pérola ou Hawai. Puxa um “dente” da coroa para ver se tá maduro (conhecia este truque?). Você escolhe a faca, afasta as coisas da pia, começa a descascar, corta em fatias, junta as cascas e coloca no lixo. É claro que a coroa do abacaxi fura o saco de lixo e sai pingando abacaxi pela cozinha inteira. A patroa reclama – com certeza. E nós, frustrados: ele tá azedo!
Enfim, alguém se deu conta de que muita gente não compra o abacaxi porque, porque, oras dá trabalho descascar! Comigo é pior, fico lembrando do meu pai a dizer: “é filho, descasca esse abacaxi!” (!!!).
Transformar um problema em solução é agregar valor ao produto, ou seja, se ele não vende, precisamos inserir um serviço que faça dele um novo produto. Desta forma, um abacaxi descascado, geladinho, embalado, selecionado e doce, era tudo o que você queria. E mais, a metáfora (e o meu trauma) passariam longe.
Em Marketing, este fenômeno chama-se “descomoditização”, ou seja, criar diferenciação em produtos comuns. O termo vem de commodity, que significa produto de baixo valor agregado e de difícil diferenciação. Num mercado onde todos os produtos são iguais, como ganhar dinheiro? Sempre colocamos exemplos de cimento, soja, frutas, arroz, dentre centenas deles e muitos produtores estabelecem algum tipo de variação em seu produto. Por exemplo, de cimento puro para o saco de reboque pronto; da soja em grão para o suco de soja; da melancia inteira para a melancia cortada. Para vender mais, precisamos agregar valor a ele; torna-lo diferente dos demais.
Isso me faz lembrar do telefone celular: ele é GPS, MP3, navegador de internet, recebe e-mails, relógio, despertador. E ainda faz ligações (o que deveria ser o principal!).
Voltando ao abacaxi pelado… o preço, ah, o preço: quatro-vezes-mais-caro.
Mas, quem se importa?
Jacques Miranda é escritor e profissional de marketing.