Mundo das Palavras

O equilibrista

Quando uma pessoa diz algo oralmente, se coloca numa posição delicada como a de um equilibrista encima de uma corda. Na verdade, equilibra-se em elementos ainda mais frágeis: o som e imagem que compõem uma palavra. E corre o risco de sofrer um prejuízo naquilo que talvez preze mais do que seu próprio corpo: a maneira como as outras pessoas a vêem.


Se viver é perigoso, como dizia Guimarães Rosa, falar (e escrever) não é menos arriscado. É uma grande aventura. Como o equilibrista na sua corda bamba, decidido a transpô-la, nos apoiamos nas esquivas, impalpáveis palavras, quando pretendemos chegar ao convencimento de um amigo, à reprodução de um fato que presenciamos, na mente de um parente, ou, à descrição daquilo que nos impressionou, a um confrade.


Nestas situações corremos muitos riscos. O de não sermos entendido é o mais óbvio. Mas há também o risco de não sermos compreendido, isto é, o de deixarmos transparecer – sem termos consciência disto – que parecemos ter outras intenções. 


E mais: por causa das palavras nos expomos aos preconceitos de quem despreza o vocabulário que usamos, ou a pronúncia que temos. Nos expomos ainda à impaciência de quem não tem tempo para nos ouvir (ou ler), nem vontade de se ocupar conosco.


No entanto, também como o equilibrista cuidadoso ao caminhar sobre a corda,  se não usamos as palavras com distração e descaso, podemos avançar até o outro lado na ponte da comunicação com as outras pessoas sentindo-nos seguros.  


Para isto, é necessário que nossas palavras – como os passos que o equilibrista dá – sejam guiadas por toda a vivência útil à tentativa de fazermos bem a travessia do processo de comunicação. Por aquelas vivências ligadas às nossas capacidades de percepção e reflexão.


O emprego deste conjunto de vivências naquilo que dizemos e escrevemos faz com que coloquemos em nossos textos, de algum modo, toda a nossa vida. Se tropeçarmos nas palavras e nos esparramarmos constrangedoramente, quando quisermos caminhar na direção do que elas podem nos oferecer no ambiente familiar, no âmbito profissional, e, em ocasiões sociais, isto fatalmente indicará que estamos  fora do eixo de nossa existência.


A grande aventura de existir – lembrada pelo autor de “Sagarana” – nos fornece todos os requisitos necessários para nos exprimirmos não apenas com competência, mas, também com originalidade. Afinal, cada um de nós aprecia – e pensa sobre – o mundo e as pessoas, bem equipado. Temos sensibilidade visual, tátil, auditiva, olfativa, gustativa. Somos dotados da capacidade de organizar mentalmente tudo o que captamos pelos sentidos. E temos o maravilhoso dom da verbalização. E ainda: cada um dispõe de um ângulo de observação da vida e das pessoas somente seu. Apenas uma única pessoa pode se expressar verbalmente do ângulo de quem nasceu no dia de seu aniversário, na sua família, no seu bairro e percorreu, na sua época, a sua trajetória na escola, no trabalho, e, eventualmente, na igreja.


Do que precisamos, ao nos lançarmos sobre os precipícios do convívio humano apoiado nas palavras, é de auto-controle e concentração. Como o equilibrista, na sua corda.   


           


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pelaECA/USP

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