“O brasileiro perdoa o adúltero, perdoa o ladrão, às vezes perdoa até o assassino, mas não perdoa o traidor”. Esta suposição antiga sobre o modo que seria próprio do nosso povo de julgar moralmente era explicada como decorrente da repugnância contra a figura de Joaquim Silvério dos Reis, um dos delatores dos inconfidentes mineiros, alimentada, entre crianças e jovens, nas escolas do país, pelos professores de História. Assim não surpreende que nos anos de 2012 e 2013, estudantes de São Paulo, engajados na luta por justiça social no Brasil considerassem clones de Silvério dos Reis os cúmplices do Regime Militar instaurado no Brasil em 1964, responsáveis pela prisão, tortura e morte de jovens ativistas como eles. Àqueles que ainda não tinham sido punidos pelos juízes os estudantes quiseram aplicar a recomendação expressa num slogan que os unia “Se não há justiça, haverá esculacho popular”. Isto é, castigo social, com a identificação e divulgação dos crimes atribuídos aos acusados entre seus parentes, colegas de trabalho, e, vizinhos.
Isto ocorreu com Harry Shibata. Depois de se dirigirem em passeata até a casa do médico, no bairro de Pinheiros, eles picharam em seu muro a inscrição “Shibata, legista da ditadura”. E distribuíram folhetos com o título “Alerta vizinho”, no qual diziam que Shibata tinha assinado atestado de óbito atribuindo a um tiroteio a morte de Sonia Angel, quando – afirmavam -, a jovem “foi torturada por 48 horas, estuprada com um cacetete e teve seus seios arrancados”.
Este tipo de ato político embora fosse uma novidade no Brasil, na verdade tinha raízes numa tradição da América do Sul, subcontinente cuja população se ressente da morosidade e, muitas vezes, ineficácia de sua Justiça, quando há necessidade de julgar e punir quem cometeu crimes graves na repressão política de opositores.
O nome deste tipo de manifestação era uma versão para o Português da palavra “escrache” usada, a partir de 1995, por defensores dos direitos humanos, inicialmente na Argentina, depois no Perú e no Uruguai. Estava na denominação da organização à qual pertenciam aqueles jovens de São Paulo – Frente de Esculacho Popular. No Chile o “escrache” se chama “Funa” – “podridão”. A mais funa famosa visou Edwin Dimter Bianchi, envolvido no assassinato do cantor Victor Jara, durante a ditadura de Pinochet.
O caso está reconstituído na internet em três arquivos: