Para que os brasileiros pudessem ter consciência do significado das manifestações de rua que antecederam à derrubada de João Goulart da presidência da República, em 1964, foi necessário o transcurso de nada menos que 17 anos. Somente em 1981, o pesquisador René Armand Dreifuss pode revelar, no livro “1964: a conquista do Estado”, o que continham as caixas de documentos encontrados nos arquivos de dois institutos, o de Pesquisas e Estudos Sociais-IPES e o Brasileiro de Ação Democrática-IBAD. Neles, empresários brasileiros e estrangeiros haviam se articulado sigilosamente com militares e políticos para a implantação de um regime autoritário no Brasil, a fim de barrar as reformas sociais defendidas por Jango, que viam como populistas, e, entraves à “modernização” do capitalismo em nosso País.
Graças às descobertas de Dreifuss, vieram à tona documentos que mostraram como aquelas manifestações de rua – intituladas Marchas da Família com Deus pela Liberdade – foram minuciosamente planejadas dentro da guerra psicológica desencadeada através dos meios de comunicação de massa para atemorizar a classe média com uma suposta ameaça comunista. Com as manifestações, os golpistas puderam obter apoio da opinião pública formada pela classe média, para a intervenção militar que impediu a maioria da população de exigir melhores condições de vida, ao suspender a vigência de direitos constitucionais e democráticos.
Este lado das manifestações de rua teve de permanecer oculto por revelar seu caráter contraditório. Pois, embora integrantes da classe média sonhem sempre com a integração à elite do país, através da educação, eles, na realidade, ganham sua sobrevivência com a venda de sua mão de obra, como os trabalhadores em geral. E, também como eles, precisam de liberdade para negociar seus salários.
Este caráter ocultado em algumas manifestações de rua foi fixado, em 1992, numa imagem, feita por Todd Robertson numa comunidade da Geórgia, nos Estados Unidos. Na ocasião, a organização racista e terrorista Ku Klux Klan organizara um comício. E, para se proteger, pediu proteção da polícia local, invocando direitos constitucionais relativos às liberdades de expressão, imprensa, associação e culto.
A Ku Klux Klan, sabidamente, promove ataques violentos aos negros. E, por coincidência, eram negros alguns dos policiais designados para garantir a segurança pública naquele comício. Na foto de Todd, Josh, uma criança branca, vestida por seus pais com as vestes da Ku Klux Klan, toca o escudo do policial negro Trooper Campbell, encantada com a própria imagem refletida ali. Como muitos membros da classe média brasileira, em 1964, ela estava numa manifestação, sem ter consciência da manipulação da sua vontade.