O poeta-dramaturgo Públio Terêncio Afro nasceu em Cartago, no norte da África e suportou a escravidão. Liberto por um senador romano do qual adotou o nome, Terêncio Lucano, tornou-se, depois, autor de comédias valorizadas por outros artistas, muitos séculos mais tarde, já na Renascença. Na Roma Antiga, Terêncio havia vivenciado situações, como escravo, que poderiam ter embotado sua sensibilidade. Mas ele a preservou assim como sua capacidade de identificação com outras pessoas. E a manutenção destas características humanas permitiu-lhe usar sua vivência nas criações para o Teatro e a Poesia. É dele, a frase-síntese do Humanismo, que atravessou dois milênios: “Eu sou um homem e nada do que é humano me é estranho”.
Epígrafe perfeita para um livro imaginário que reunisse todas as imagens produzidas, para a revista Life Magazine por Dmitri Kessel, ao longo de 28 anos, em pontos diversos do planeta. São flagrantes que mostram, por exemplo, a delicadeza da criadora da profissão de designer de interior, Elsie de Wolfe, na escolha e na distribuição de móveis, tapetes e ornamentos de um quarto de hotel dos Estados Unidos, nos anos de 1950. Assim como mostram, com a mesma empatia, também nesta década, a perplexidade e o ódio mal contido de um grupo de mineiros grevistas da Bolívia. Todos com roupas cobertas de fuligem, postados em volta de Irineo Pimentel, como se formassem uma cerca protetora do líder, depois assassinado.
Numa capa da Life Magazine, num dos anos daquele década, 1957, Kessel mostrou com criatividade e argúcia a severidade dos olhares de três norte-americanos, afundados em material de pesquisa. Eram os cientistas encarregados de tirar os EUA do atraso que o lançamento do primeiro satélite artificial da Terra, o Sputinik 1, pelos soviéticos, os havia colocado, na corrida espacial.
Naquele mesmo ano, a capacidade perceptiva aguda e refinada de Kessel iria se mostrar num flagrante dos modos de olhar de outros três homens, distantes física e culturalmente daqueles norte-americanos. Ribeirinhos, que, instalados na cobertura de um barco, ancorado no porto do Ver-o-Peso, em Belém do Pará, apreciavam, curiosos e divertidos, a movimentação dos transeuntes na área do Mercado de Ferro, herança da Belle Époque amazônica, cuja torre lateral é visível ao fundo da imagem postada junto com este texto.
Kessel faleceu em 1995. Mas outro artista iria, como ele, continuar preservando a visão humanística de Terêncio nas Artes Visuais. Em 2001, o diretor francês Jean-Pierre Jeunet comoveu o público dos cinemas no mundo com as imagens impregnadas da mesma sensibilidade estética de Kessel presente no seu filme “O fabuloso destino de Amélie Poulain”.