Mundo das Palavras

O filho de Canô, nosso companheiro: um homem

O título deste texto poderia ter sido escrito em italiano, sem se tornar incompreensível para os brasileiros: “Il figlio di Canô, il nostro compagno: Un Uomo”. Expressaria, assim, melhor, a intenção mostrar gratidão a Caetano Veloso. Ao associarmos a longa história dele à do poeta revolucionário grego Alekos Panagulis, cuja biografia, escrita pela jornalista Oriana Fallaci, recebeu o título honroso de “Un uomo”. Obviamente,  numa referência não ao gênero sexual dele. Mas à sua consistente dignidade pessoal. Como a de Caetano, traduzida em militância por ideais generosos e exercida com muito talento artístico, numa duradoura coerência de atitudes. 
 
O título sintético designa todos os seres humanos (inclusive mulheres, adultos, crianças, negros, índios, brancos). Fallaci atribui-o unicamente a Alekos para enobrecer. Tanto a palavra, como o homenageado, “che amò e che fu suo compagno nella vita”, acrescenta a Wikipedia italiana referindo-se à jornalista. Como sobre ela, a respeito de muitos brasileiros também se poderia que Caetano é um amado companheiro de vida deles.  Há mais de meio século. Desde quando, com vinte e poucos anos, ele já comandava uma revolução estético-cultural no País. E, sentia a admiração e o afeto coletivo dos estudantes nos cachos de seus cabelos. Pois neles,  muitos jovens tocavam com suavidade e respeito, quando Caetano entrava ou saía de um local de exibição.  
 
Por isto aqueles cachos foram cortados e brutalmente jogados no chão, ao Caetano ser preso pela Ditadura Militar, em 1969, no Rio de Janeiro. Por dias a fio, ele, antes, fora mantido numa cela solitária. E, acabara de sofrer a simulação de um fuzilamento. 
Ocorre que, naquele ano, a Philips ia lançar um álbum com suas músicas. E precisava de uma foto dele para a capa. Como os militares escondiam a prisão de Caetano, proibiram foto sem seus cachos. O disco saiu com capa inteiramente branca, atravessada apenas pela assinatura do artista. 
 
Mas, seus cachos foram recolhidos por Dedé, com quem Caetano era casado. E ela os jogou ao mar, dentro da tradição religiosa afro-baiana. 
Só no exílio, voltaram a crescer. Em Londres, Caetano recebeu a visita de Roberto Carlos. O Rei ficou emocionado com a saudade das praias brasileiras e a solidão que viu em Caetano. 
 
Ao regressar ao País, teve um gesto de corajosa solidariedade humana: compôs “Debaixo dos caracóis de seus cabelos”. E colocou na sua letra: “Um dia a areia branca seus pés irão tocar. E vai molhar seus cabelos, a água azul do mar. Janelas e portas vão se abrir p’ra ver você chegar. E ao se sentir em casa, sorrindo vai chorar. Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, uma história p’ra contar de um mundo tão distante”.
 

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