Quando usava na cabeça um gorro vermelho, o escritor norte-americano Fredric Brown emitia um aviso no ambiente íntimo de sua casa. Um aviso destinado à mulher com quem ele vivia. Traduzido em palavras significava: “Não fale comigo, agora”.
A suspensão temporária da comunicação verbal com sua companheira, provavelmente a única outra habitante da casa onde Brown morava, era uma providência que escritor achava necessário tomar para a preservação de sua concentração nos textos que estava produzindo.
Brown é pouco conhecido no Brasil, mas este seu comportamento foi incluído na lista das esquisitices dos criadores de texto relacionadas na matéria de capa do último número da revista Metáfora.
Quem escreve não tem dificuldade de entender a necessidade expressa pelo escritor através do uso de seu gorro vermelho dentro de sua própria residência. A necessidade de não desviar a atenção dedicada à elaboração de um texto, para atender uma pessoa com quem se conviva.
Esta necessidade de concentração se impõe porque a expressão verbal de uma idéia não é alcançada de modo satisfatório imediatamente. Refira-se a idéia ao procedimento de um personagem em estado de criação ou simplesmente a uma situação humana qualquer cuja consideração se imponha a um autor. Há um infindável número de informações a serem consideradas. Todas condicionadas pela capacidade de percepção dele. Informações sobre como a idéia já foi verbalizada por outras pessoas e como o autor quer se diferenciar delas, sobre a totalidade do texto a ser criado – seu propósito -, sobre o contexto imposto pelas fases já executadas de sua criação – o momento no qual a verbalização daquela idéia irá surgir na sequência do trabalho.
Harmonizar todas estas informações e ainda procurar no repertório de expressões verbais aquelas que, para o autor, sejam as mais apropriadas à exteriorização de sua idéia representa um esforço mental tão agudo que dá sentido ao clichê habitualmente empregado para exprimi-lo: o da “luta pela expressão”. Sem dúvida, um autor luta contra as dificuldades inerentes ao trabalho que realiza, contra suas limitações pessoais, e, ainda contra as circunstâncias na qual trabalha.
Nesta luta silenciosa, angustiante, o convívio humano imposto com inabilidade pode provocar um desastre. Em geral, têm consciência disto as pessoas que cercam quem escreve profissionalmente. Estas pessoas percebem que devem respeitar os momentos em que o autor está completamente dedicado às suas ruminações.
Contudo, se o convívio com escritores tem suas peculiaridades, nisto, não se distingue do convívio com outros tipos de profissionais. Como com aquele que, por exemplo, é obrigado a executar seu trabalho à noite, e, por este motivo, precisa de respeito a seu sono, durante o dia.
Mas, é verdade, existem escritores mais angustiados com seu trabalho que outros. Eles são vistos como neuróticos e insuportáveis no trato pessoal. No entanto, tais pecados seus leitores costumam perdoar facilmente, quando resultam em bons textos. Afinal, é a comunicação através de textos a que interessa aos leitores.
Quanto ao gorro vermelho de Fredric Brown, infelizmente, não sabemos se ele garantia a concentração do escritor. Nem se amenizava as dificuldades de convívio de Brown com a mulher dele.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP